O racha no Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador (Codefat), com a saída de quatro entidades patronais, é efeito da ultrapassada legislação trabalhista que regula a representatividade e o financiamento das organizações sindicais do País - de trabalhadores e empregadores. Enquanto não existirem regras adequadas à nova realidade de uma economia dinâmica da era digital e da robotização, enquanto não mudar a sexagenária Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que criou entidades atreladas e dependentes financeiramente do Estado, não haverá liberdade sindical e a disputa por nacos de poder e dinheiro público será prática comum dos sindicatos.
Na quarta-feira, quatro das seis entidades patronais que compõem o conselho do Codefat enviaram carta ao presidente Lula comunicando sua renúncia, em reação à interferência direta do ministro do Trabalho, Carlos Lupi, na eleição do novo presidente do órgão. Os dirigentes das Confederações Nacionais da Indústria (CNI), do Comércio (CNC), da Agricultura (CNA) e do Sistema Financeiro (Consif) acusam o ministro de pressionar pela eleição do presidente da Confederação Nacional de Serviços (CNS), Luigi Nese, e violar acordo existente há 19 anos - desde a criação do Codefat - que prevê um esquema de rodízio na eleição do presidente. O ministro nega. Mas, estranhamente, a CNS percorre uma trajetória meteórica sob a gestão Carlos Lupi: há apenas sete meses, em dezembro de 2008, ela teve seu registro sindical assinado pelo ministro e rapidamente passou a ocupar uma cobiçada vaga no conselho do Codefat, derrotando confederações antigas, entre elas a dos Transportes. Luigi Nese mostrou que sabe retribuir e agradecer: em 9 de março deste ano homenageou o ministro com um almoço na sede do Iate Clube de Santos (SP), conferindo-lhe o título de patrono da CNS. E, na cronologia da troca de gentilezas, há duas semanas Luigi Nese foi eleito presidente da CNS.
Seria uma disputa banal, como tantas no mundo sindical, não fosse o fato de o Codefat gerir um patrimônio de quase R$ 160 bilhões do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) e seus conselheiros terem o poder de decidir onde alocar esse dinheiro público, escolher projetos de investimento, financiar cursos e eventos promovidos por sindicatos - de empregados e empregadores. Por isso as 18 cobiçadas vagas no conselho (governo, empresários e trabalhadores, cada um com seis representantes) são disputadíssimas pelas organizações sindicais que estão de fora, e o cargo de presidente é essencial por ser estratégico para a gestão administrativa, liberação de verbas e escolha dos projetos pautados para discussão.
Segundo o site Consultor Jurídico, uma das integrantes do Codefat - a Nova Central Sindical de Trabalhadores (NCST), com sede em Brasília - especializou-se em alugar "militantes", que recebem R$ 40 para participar de manifestações contra ou a favor de qualquer coisa, até em defesa da legalização dos bingos.
Essas organizações sindicais são financiadas e recebem milhões de reais do imposto sindical cobrado do trabalhador ou da empresa (no caso das patronais). De olho nesse imposto há anos, prolifera uma verdadeira indústria de sindicatos fantasmas, criados sem nenhum controle, sem nenhuma prova de representatividade. E tudo acontece sob os auspícios do Ministério do Trabalho, a quem cabe conceder o registro sindical de legalização. Em nome da "liberdade sindical" elas fazem o que bem entendem do dinheiro, porque não há nenhuma fiscalização, nem mesmo dos Tribunais de Contas, a quem cabe zelar pela aplicação da receita tributária.
Essa vinculação de dependência financeira do Estado e a ligação promíscua com o Ministério do Trabalho produzem não a decantada "liberdade sindical", mas exatamente o oposto: a subserviência, a rendição dos sindicatos ao governante de plantão e à prática do peleguismo, seja do trabalhador ou do empregador.
Nos bons tempos de liderança sindical, o presidente Lula defendia o fim do imposto sindical por entender que só com autonomia financeira os sindicatos poderiam conquistar a liberdade de ação e decisão. Mas isso é passado. Hoje Lula segue o caminho inverso: estendeu a distribuição do dinheiro do imposto também para as centrais sindicais e, no plano político, escolheu o lado errado que tanto criticou no passado - abraça Fernando Collor e Renan Calheiros e dá apoio a oligarquias atrasadas, com palavras de carinho ao senador José Sarney. Já as reformas sindical e trabalhista sumiram de seu governo.