A discussão sobre se a base do julgamento do mensalão pelo Supremo Tribunal Federal será técnica ou política é inócua, pois, como lembra o jurista Joaquim Falcão, diretor da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas no Rio, qualquer decisão, por mais técnica que seja, é de fundo político ou tem consequências políticas.
O maior exemplo disso foi a decisão do plenário do Supremo de não desmembrar o processo do mensalão, tese que o advogado Márcio Thomaz Bastos, que defende o ex-diretor do Banco Rural José Roberto Salgado, apresentará mais uma vez na abertura do julgamento, a fim de atrasar seu desenrolar.
Segundo alega Bastos, seu cliente tem o direito de ser processado inicialmente pela Justiça comum porque não tem foro privilegiado, que apenas três dos 38 atuais réus do mensalão têm: os deputados João Paulo Cunha (PT-SP), Valdemar Costa Neto (PR-SP) e Pedro Henry Neto (PP-MT).
Quando, porém, decidiu considerar que o processo do mensalão é um só, e todos os réus seriam julgados pela última instância da Justiça, a maioria dos ministros do Supremo escolheu não permitir que os crimes fossem dissociados entre si, mantendo a tese da Procuradoria Geral da República de dar um sentido sistêmico ao crime de que são acusados.
Com isso, evitaram que a defesa dos réus protelasse mais ainda o processo com os recursos às várias instâncias do Judiciário.
O tempo do processo, de cinco anos, é considerado recorde, devido aos inúmeros relatórios, perícias, e os "acidentes de percurso", com os diversos recursos por parte da defesa. Sempre que havia um problema, o ministro Joaquim Barbosa encaminhava o assunto ao plenário.
Foi assim com a decisão sobre o desmembramento ou não do processo, que provoca críticas até hoje do ministro Marco Aurélio Mello, voto vencido.
Outro exemplo claro de que decisões técnicas têm base política é a do então procurador-geral Antonio Fernando de Souza de não incluir o presidente Lula na denúncia do mensalão, enquanto ele mesmo, anos depois, denunciou o senador Eduardo Azeredo, do PSDB, como um dos principais envolvidos no esquema de corrupção montado com o auxílio do mesmo empresário mineiro Marcos Valério na campanha para a eleição de governador em 1998.
O então procurador-geral classificou o esquema mineiro de precursor do mensalão do PT e identificou Azeredo como seu principal beneficiário.
No caso de Lula, o grande beneficiário do mensalão, o Supremo rejeitou diversas tentativas de incluí-lo no processo, a maioria feita pelos advogados do ex-deputado Roberto Jefferson, o grande delator do esquema, que acabou cassado no processo, juntamente com o ex-ministro José Dirceu.
Trata-se, no entanto, de uma tática diversionista apenas, pois não há possibilidade de o ex-presidente ser incluído no julgamento no meio do processo.
Outra decisão de cunho exclusivamente político é a do ministro Dias Toffoli de participar ou não do julgamento.
Tendo sido advogado do PT, trabalhado sob as ordens do então ministro José Dirceu na Casa Civil da Presidência e com a mulher com que vive tendo sido advogada de diversos acusados no processo do mensalão, Toffoli deveria se colocar como impedido de atuar nesse julgamento de acordo com a maioria de seus colegas de Supremo, que de uma maneira ou de outra fizeram chegar a ele essa opinião.
No entanto, tudo indica que não agirá assim, declarando-se impedido no máximo de julgar o caso do Professor Luizinho.
Uma decisão política no mais amplo sentido da palavra, que colocará sua carreira de juiz do Supremo em análise apurada não apenas da opinião pública, mas também de seus pares.
Em resumo, estarão em jogo valores como a ética na política, uma demanda mundial na ordem do dia. A defesa tentará fragmentar a atuação de cada réu, explorando a linha dos direitos individuais contra a ação opressora do Estado.
Já a Procuradoria Geral da República coloca em julgamento a necessidade de moralidade na administração pública.
O pensamento dos ministros que dirigem dois dos tribunais superiores paira sobre o julgamento: a ministra Cármen Lúcia, do Tribunal Superior Eleitoral, outro dia desabafou dizendo que ninguém aguenta mais tanta corrupção.
E o presidente do próprio Supremo Tribunal Federal, ministro Ayres Britto, já declarou que três leis no país podem acabar com a cultura da impunidade existente: a Lei da Ficha Limpa, a de Acesso à Informação e a da Improbidade Administrativa, de 1992, que considera "revolucionária" no conteúdo, mas precisa ser praticada.