Política
Transição democrática de poder Rubens Barbosa
Nas democracias a alternância de poder é vista de forma natural. Nos países onde a prática democrática está amadurecida os mecanismos para preparar a passagem de mando foram sendo gradualmente aperfeiçoados para ajudar o candidato recém-eleito a tomar conhecimento na fase de transição de todos os assuntos mais importantes e a assumir suas responsabilidades na plenitude desde o primeiro dia após sua posse.
Estava como embaixador em Washington quando, pela primeira vez em nossa história política, o presidente que saía (Fernando Henrique Cardoso) determinou que fosse organizada, nos mínimos detalhes, a forma como se deveria processar a transição de poder para o PT, com a singular peculiaridade de que era a primeira vez que o partido de Lula ocuparia o Palácio do Planalto.
Fui instruído a preparar um programa de visitas à Casa Branca para o então chefe da Casa Civil, Pedro Parente, encarregado de coordenar os contatos com o futuro governo do PT. Lembro-me de que, em encontro com o chefe de gabinete do presidente George W. Bush, foram trocadas valiosas informações sobre o processo de transferência de poder para um partido de oposição (Bush vencera o candidato democrata, apoiado pelo presidente Bill Clinton, havia poucos meses).
No Brasil já havia sido feito um trabalho preparatório e um manual da transição fora elaborado. Na conversa na Casa Branca, Pedro Parente explicou como o assunto tinha sido focalizado em Brasília e o que havia sido preparado para facilitar o fluxo de informações para a oposição, sobretudo na área econômica e na política externa. O manual, elaborado na Casa Civil pelos assessores do presidente FHC, foi mostrado e explicado ao chefe da Casa Civil de Bush.
Enquanto Pedro Parente discorria sobre as diversas providências recomendadas, o funcionário norte americano levantou-se e buscou um livro tão volumoso quanto o que havia sido preparado no Brasil. Ao comparar os dois documentos, ficou clara a coincidência e a semelhança entre as recomendações constantes nos dois trabalhos.
Nas democracias é difícil inventar novidades nesse particular. A transferência de informações ampla, geral e irrestrita é a regra.
Ocorrem-me estes comentários ao acompanhar como se está processando a transição de poder entre duas personalidades tão opostas quanto Bush e Barack Obama. Em outubro, três meses antes da posse do novo presidente em Washington, Bush instituiu grupo de coordenação para a transição presidencial, integrado por representantes dos principais Ministérios, em particular os de Segurança Nacional, de Economia e de Defesa Interna, este criado depois dos ataques de 11 de setembro de 2001.
Os membros do grupo entraram imediatamente em contacto com representantes dos candidatos Obama e John Mc Cain para iniciar os briefings informativos. Depois da eleição Bush ofereceu todas as facilidades para o presidente eleito ter acesso às informações para preparar as decisões iniciais no difícil momento por que atravessa o país, tanto do ângulo da economia quanto da segurança nacional.
A transmissão de poder de Bush para seu sucessor está se estruturando como a primeira transição em tempo de guerra em 40 anos. A liderança política do país vai mudar pela primeira vez depois do 11 de Setembro. O colapso de Wall Street acentuou a urgência, tornando o atual processo uma das mais tumultuadas mudanças de poder desde Franklin D. Roosevelt, que, em 1933, recebeu o governo de Herbert Hoover e a herança maldita da Grande Depressão de 1929.
A iniciativa de Bush, a cem dias do fim de seu mandato, retomou uma das recomendações de comissão estabelecida depois dos atentados de 11 de setembro. Os membros do grupo haviam concluído que a vulnerabilidade das democracias aumenta nos períodos de transição política.
Alguns exemplos comprovam a observação: em 1993 o World Trade Center sofreu um ataque cinco semanas depois da posse de Clinton; Madrid, em 2004, foi atingida três dias antes das eleições gerais; em 2007 os terroristas atacaram Londres, logo após a eleição de Gordon Brown; em 2001, quando dos ataques a Washington e a Nova York, Bush só havia podido confirmar cerca de 30% dos funcionários da área de segurança nacional.
Nos EUA, na mudança de governo, o novo presidente deve nomear cerca de 7 mil altos funcionários. No Brasil - para fins de comparação - esse número supera 20 mil. Diferentemente do caso brasileiro, dos 7 mil altos funcionários, cerca de 1.100, inclusive todo o Ministério, devem ser aprovados pelo Senado. Como seria previsível esperar, segundo dados oficiais, nenhum presidente americano conseguiu empossar mais de 25 ministros antes de 1º de abril, isto é, quase três meses depois da posse.
Essas informações e esses comentários podem ser úteis na medida em que em menos de dois anos teremos eleições presidenciais no Brasil. Caso a oposição vença, teremos uma situação igualmente singular. O PT, que ocupou inteiramente a máquina de poder de Brasília, nos principais Ministérios, nas autarquias e nas instituições públicas, deverá fazer a transição democrática para a oposição, com a transferência dos cargos e de todas as informações relevantes.
Não há por que duvidar de que o presidente Lula e seu partido repetirão o que FHC e o PSDB fizeram. O amadurecimento das instituições facilitará a mesma transição tranqüila e democrática.
Para dar acesso às informações de forma transparente e promover uma transferência de poder civilizada não será preciso reinventar a sistemática instituída pelo governo FHC, nem buscar em outros países a confirmação do trabalho já feito. Basta atualizar o manual preparado há oito anos e entregá-lo à equipe do presidente eleito.
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