Um erro perigoso MÍRIAM LEITÃO
Política

Um erro perigoso MÍRIAM LEITÃO



O GLOBO - 27/08/11

A inflação está em 7,1% em 12 meses. A de serviços chegou a 8,8%, sem contar alimentação fora de casa. Se isso entrar na conta, a taxa vai a 9,4%. No ano que vem o País terá um choque de custos pelo aumento de 14% do salário mínimo. Mesmo assim, há uma coalizão de ministros da área econômica - com reforços de economistas até de fora do governo - querendo pressionar o Banco Central a baixar os juros já.

Os juros deveriam cair, eles de fato estão muito altos. O Brasil perdeu boas oportunidades de derrubar mais as taxas. Contudo, a presidente Dilma não deve passar a ideia de que os juros são decididos em outras instâncias ou esferas que não o Banco Central; nem que ela decide aconselhada por economistas que têm histórico de pouco se importar com a alta da inflação. Esse erro ela não deve cometer porque seria um bumerangue. Se ficar consagrada a impressão de um BC dócil a outros ministérios ou submetido a análises de pessoas estrangeiras ao governo, a aposta será em inflação cada vez mais alta. Se todos apostarem que não há Banco Central e que a taxa vai subir, ela subirá. A presidente perderá todo o esforço, que custou muito, de criação de reputação do Banco Central autônomo em seu governo. Os juros subiram cinco vezes em cinco reuniões. Infelizmente, não é ainda a hora de derrubar a taxa.

A inflação em 12 meses vai cair no último trimestre do ano. Essa é a previsão de todos, inclusive do Banco Central. Só que depois virá o ano que vem, com a pressão da fórmula negociada do salário mínimo que, inevitavelmente, impactará a inflação de serviços e os gastos previdenciários. A fórmula prometida tem sim que ser cumprida. O que o governo precisa é dimensionar o impacto do choque na inflação e nas contas públicas, para neutralizar com corte em outros gastos.

O ideal é que não corte em investimentos mas em gastos de custeio. Dos investimentos, o País precisa para manter o crescimento, de preferência que sejam investimentos com uma análise mínima de custo/benefício. Algumas das obras do governo não fizeram tal exercício e podem virar buracos sem fundo e sem juízo.

A hora não é de cometer erros. O mundo está em meio à turbulência e no terreno da incerteza. Os Estados Unidos estão com baixo crescimento; a Europa, com risco de calote; o Japão, em recessão. Nós estamos dependentes de que a China continue encomendando preços altos de commodities, porque isso mantém o superávit comercial. Por mais desejável que seja a alta do dólar, se acontecer de repente ela pode provocar vários efeitos colaterais. O economista José Roberto Mendonça de Barros analisou, num vídeo que sua consultoria disponibilizou, que hoje muitas empresas brasileiras estão mais dependentes de componentes e matérias-primas importados. Caso haja uma virada brusca do câmbio, muitas empresas, inclusive indústrias, serão prejudicadas. O melhor é que um novo patamar do câmbio se dê mais devagar, como consequência da queda de juros. O problema é que a taxa não pode ser decidida de nenhuma outra forma que não seja autonomamente pelo Banco Central, para que o efeito não seja oposto ao desejado.

Um dos argumentos dos que defendem a pressão sobre o Banco Central é que, como o crescimento está caindo, o problema inflacionário está resolvido. Infelizmente, não é simples assim. Uma das piores conjugações que acontecem na economia é de crescimento em queda e inflação em alta. Ocorre com frequência. A queda do ritmo do PIB por si só não garante que a inflação ficará controlada. Do contrário, ela não estaria subindo na morna economia dos EUA.

O remédio agora é fiscal. O Brasil não deve se enganar com a alta do superávit primário divulgado ontem. Nem tudo que reluz é ouro. O superávit subiu porque as receitas subiram e em alguns casos com arrecadação extraordinária, como os quase R$ 5 bilhões pagos pela Vale na discussão judicial que a empresa decidiu abrir mão. Os gastos que caíram foram apenas os investimentos. E isso não é bom. Uma das razões da redução do investimento foi a paralisia nos Transportes, provocada pelas demissões em série no DNIT e a queda do ministro.

Há quem garanta que a situação fiscal é excelente porque relativamente a outros países o Brasil parece sólido. Mas é bom lembrar que ele permanece tendo déficit, mesmo no ano passado, em que cresceu 7,5%. O Brasil não aproveitou o melhor momento para zerar o déficit. Deveria ter feito isso, porque agora teria mais espaço para a política fiscal.

Este é um ano em que a conjuntura internacional está mudando constantemente e os riscos são desconcertantes. O mundo das moedas e dos ativos financeiros oscila ao sabor das corridas das grandes massas de capital, formando bolhas. A ameaça de uma recessão global é concreta. O governo deve controlar seus gastos - que já subiram 11% este ano - reforçar investimentos, abrir espaço para a queda dos juros. O que não pode é seguir a receita de achar que o problema inflacionário está resolvido, reduzir os juros para garantir o crescimento, e achar que os indicadores fiscais - porque estão melhores que em tantos países - são sustentáveis. Nenhum país pode elevar indefinidamente as despesas do governo acima do crescimento PIB.



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