Completa-se mais um ano de fracassos para a diplomacia terceiro-mundista do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Nenhum acordo importante foi assinado pelo Itamaraty, conhecido no passado por seu pragmatismo e pelo profissionalismo de sua orientação. Como na maior parte da era petista, os diplomatas brasileiros envolveram-se numa única negociação relevante, a da Rodada Doha de liberalização comercial. Novamente a discussão empacou, emperrada principalmente, desta vez, pelos aliados estratégicos do Brasil. Na América do Sul, zona preferencial dos grandes planejadores internacionais do Planalto, o governo brasileiro colecionou mais uma série de desaforos e de ameaças. O balanço do ano só não foi pior, nessa área, porque o presidente equatoriano, Rafael Correa, decidiu pagar, no último dia do prazo, US$ 28,1 milhões devidos ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Depois de seis anos de atuação desastrosa, o Itamaraty do PT ainda poderá colher algum resultado positivo nos 24 meses finais do mandato do presidente Lula. Mas terá de correr e de esforçar-se muito. Reativar e concluir a Rodada Doha será uma prioridade evidente para os negociadores brasileiros. Mas não se sabe, ainda, como o novo governo americano cuidará do assunto, especialmente numa fase de recessão e pressões protecionistas muito fortes. O Itamaraty também deverá explorar, nos próximos meses, as possibilidades de retomar a discussão de um acordo de livre comércio entre Mercosul e União Europeia. Não será uma tarefa simples, e não só porque os europeus serão provavelmente avaros em concessões no comércio agrícola e exigentes em benefícios para sua indústria. Brasileiros e europeus até poderão encontrar um ponto de equilíbrio nessa barganha, mas haverá resistência do principal parceiro comercial do Brasil na América do Sul, a Argentina. Esse entrave ocorreu noutras ocasiões e quase certamente voltará a ocorrer.
O governo argentino divergiu da diplomacia brasileira também nas últimas tentativas de conclusão da Rodada Doha. Pelo menos nessa frente os negociadores brasileiros trabalharam em função de resultados, até porque haviam abandonado todas as demais negociações objetivamente importantes. Mas, para negociar seriamente, os brasileiros tiveram de afastar-se de seus aliados "estratégicos", como os indianos, chineses e argentinos. Essa divergência não surpreendeu quem seguiu com realismo a atuação do Grupo dos 20 (G-20) constituído em 2003 para combater a política agrícola do mundo rico.
Novamente, em 2008, ficou evidente o equívoco das alianças "estratégicas" do petismo. Os governos da China e da Índia, como se poderia esperar, continuaram dando prioridade aos interesses nacionais e não a afinidades imaginárias com o Brasil ou outros países emergentes ou em desenvolvimento. O governo da Rússia, ao recalcular suas cotas de importação de carnes, mais uma vez deu prioridade a americanos e europeus. Nem na visita do presidente russo, Dmitri Medvedev, as autoridades brasileiras conseguiram uma cota para os exportadores brasileiros de carne suína.
Em suma, a Rússia, a China, a Índia e outros emergentes podem ser prioritários e estratégicos do ponto de vista de Brasília, mas o Brasil não é prioritário nem estratégico para eles.
Na América do Sul, o Brasil só é estratégico e prioritário por ser o maior mercado da região e porque seu governo se mostra disposto a todo tipo de generosidade sem contrapartida e a suportar os mais variados desaforos. A reação à ameaça de calote do Equador, da Bolívia, do Paraguai e da Venezuela só ocorreu quando a situação, com todos os seus aspectos mais humilhantes, havia sido exposta pela imprensa.
Na presidência rotativa do Mercosul, o governo brasileiro não conseguiu cumprir nenhum objetivo importante, a começar pela eliminação da cobrança múltipla da Tarifa Externa Comum (TEC) incidente sobre produtos originários de fora do bloco e reexportados.
A grande realização do governo brasileiro foi a convocação, combinada com os americanos, de uma reunião do G-20 financeiro, em Washington. Uma das mais importantes combinações desse encontro - evitar medidas protecionistas por um ano - foi imediatamente ignorada pelo maior parceiro regional do Brasil, a Argentina. Quem se surpreenderia?
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