Paula Neiva
Alexandre Schneider | "Plantar árvores não é o suficiente para uma companhia convencer o consumidor de que protege o ambiente. É preciso fazer mais" |
A especialidade da consultora francesa Élisabeth Laville, de 43 anos, é ajudar empresas a implantar políticas de sustentabilidade ambiental em suas atividades. Para ela, as atitudes sustentáveis deixaram de ser uma escolha das companhias para se tornar pilares de sua sobrevivência e um sinal de viço das economias. Hoje, defende ela, antes de comprar qualquer artigo, o consumidor tem o direito de saber as condições ambientais em que ele foi produzido. Élisabeth é autora do livro A Empresa Verde, que está na terceira edição na França e acaba de ser lançado no Brasil. Ela cita uma série de exemplos que demonstram como as atitudes sustentáveis estão sendo incorporadas à rotina das empresas e desfaz o mito de que a sustentabilidade inviabiliza os lucros. De passagem por São Paulo, Élisabeth deu a seguinte entrevista a VEJA.
O que a senhora acha de ações como a dos supermercados brasileiros que deixaram de comprar carne e soja produzidas em áreas devastadas ilegalmente na Amazônia?
Acho que qualquer um que possua alguma influência nesse sentido deve usá-la, pois a responsabilidade nesse terreno é de todos. Se o consumidor sabe que comer muita carne vermelha não é bom para a saúde, como dizem os estudos de cardiologia há duas décadas, e que sua produção tem impacto nas mudanças climáticas, é sua responsabilidade comer menos carne. A carne responde por 20% das emissões de dióxido de carbono (CO2) no mundo. A partir do momento em que recebo essas informações, fazer algo é minha responsabilidade como consumidora. O mesmo vale para aqueles que comercializam os produtos no ponto de venda. Até porque eles sabem melhor que o consumidor final a procedência dos artigos e as condições em que são produzidos.
"A BP anunciou que em trinta anos deixará de ser uma produtora de petróleo para se tornar uma produtora de energia, com 50% dela vinda de fontes renováveis. Se isso acontecer, será um exemplo de troca de modelo de negócio" |
Empresas cuja atividade é necessariamente poluente, como as que extraem minérios ou petróleo, conseguem compensar os danos ao meio ambiente com investimentos em projetos sociais ou ambientais?
Esse é um primeiro passo. A solução é criar modelos de negócio sustentáveis para substituir os antigos. A companhia petrolífera BP anunciou que em trinta anos deixará de ser uma produtora de petróleo para se tornar uma produtora de energia, com 50% dela proveniente de fontes renováveis. Se isso de fato acontecer, será um exemplo de troca de um modelo não sustentável por um sustentável. Um caso curioso é o das empresas de coleta de lixo. Elas vendem a ideia de que são sustentáveis porque tratam o lixo produzido pelos outros. No entanto, seus lucros crescem com o aumento da produção de lixo, o que não é nada sustentável. O que essas empresas precisam fazer é criar soluções para faturar com a redução do lixo produzido. Para isso, elas poderiam desenvolver tecnologias que ajudassem as indústrias a desperdiçar menos. Ou trabalhar em parceria com os municípios, de maneira a transformar o lixo em produtos. São Francisco, nos Estados Unidos, transforma lixo orgânico em adubo usado nos vinhedos do Vale do Napa.
É ético tentar vender produtos apelando para o fato de que a empresa usa uma parte de seu lucro para plantar árvores?
Existem pesquisas de mercado mostrando que esse tipo de propaganda não convence o consumidor de que a empresa está realmente comprometida com a sustentabilidade. Plantar árvores é apenas o primeiro estágio para que uma empresa se torne sustentável. Mas talvez seja o sinal de que está disposta a promover outras mudanças.
Em sua opinião, o barulho feito por entidades como o Greenpeace pode mudar a cultura das empresas que elas criticam?
O Greenpeace tem o mérito de, muitas vezes, saber mais sobre determinadas questões de uma empresa do que ela própria. Eles são assessorados por bons especialistas e produzem relatórios de qualidade. O Greenpeace fez uma campanha contra os lenços de papel produzidos pela Kimberly-Clark, que cortava árvores da floresta para fabricá-los. Essa empresa anunciou mudanças, como o uso de madeira certificada e papel reciclado. O Greenpeace acabou estabelecendo uma parceria.
Empresas como Wal-Mart e McDonald’s, que eram vistas como inimigas do meio ambiente, não são mais tratadas como vilãs. Mudou a forma de essas companhias trabalharem ou mudou a posição dos ecologistas?
Houve mudanças nos dois lados. Ambas estão mais abertas ao diálogo. Recentemente, o Green-peace procurou minha empresa porque estava produzindo um guia sobre sustentabilidade e queria citar ações positivas de um cliente meu. A princípio, o cliente nem sequer queria se reunir com os representantes da entidade, porque achava que ela tinha planos de prejudicá-lo. Mas não era nada disso. Eles apenas buscavam informações positivas sobre a empresa.
Colaborações entre empresas e ONGs são mais frequentes hoje do que quando a senhora começou a trabalhar na área ambiental, em 1993?
Sim. Muitas empresas já percebem que, para se tornar mais sustentáveis, precisam de colaboração. Há algum tempo, a Unilever enfrentou um problema de ordem prática. O bacalhau congelado que ela vendia estava acabando no mar. A solução foi buscar uma parceria com a organização ambientalista World Wildlife Fund (WWF), que a ajudou a desenvolver um projeto de pesca sustentável. Ao colaborarem, todos ganham.
Depois dos carros, os aviões são os vilões da vez entre os ambientalistas, pela poluição que seus motores produzem. É possível, num mundo globalizado, pedir que as pessoas viajem menos de avião?
Sim. O avanço da tecnologia tende a facilitar esse comportamento. Muitas viagens podem ser evitadas substituindo-se os encontros de negócios por reuniões virtuais via computador, por exemplo. Por enquanto, o mais importante é fazer com que as pessoas tenham conhecimento de que suas viagens têm impacto sobre o meio ambiente, já que os aviões emitem grande quantidade de CO2. Para vir ao Brasil, paguei uma taxa extra, de 120 euros, que será usada para compensar o impacto ambiental resultante da viagem. Não só as passagens de avião, mas também outros produtos, terão de incorporar no seu preço uma compensação pelo impacto ambiental que provocam.
"A carne responde por 20% das emissões de dióxido de carbono no mundo. Se o consumidor sabe que comer carne vermelha tem impacto nas mudanças climáticas, é sua responsabilidade comer menos carne" |
Como combater a poluição causada pelos carros?
O ideal é que se use o carro o mínimo possível. É claro que, quanto maior a mobilização da sociedade e do governo para facilitar que o o carro fique na garagem, melhor. Isso inclui investimentos em transporte público, mas também ações sociais, como a Vélib, em Paris. Milhares de bicicletas foram espalhadas em pontos específicos da cidade e podem ser utilizadas pela população a um preço muito baixo. Essa ação visa a estimular o cidadão a trocar o carro pela bicicleta em trajetos curtos, sem precisar comprá-la, o que é muito ecológico. É bom para o ambiente e para a saúde. Eu mesma, que moro em Paris, uso esse sistema e evito, sempre que possível, andar de carro e de avião.
Que outras atitudes sustentáveis a senhora incorporou à sua rotina?
Depois que tive minha filha, hoje com 4 anos, fiquei radical quanto a determinadas questões. Ela entrou para a escola recentemente, e constatei que os alimentos servidos lá eram ricos em gorduras e carboidratos. Disseram-me que seria impraticável adotar um novo cardápio sem que outras instituições aderissem a ele. Procurei essas escolas e consegui que aderissem à mudança na alimentação das crianças. Ou seja, mesmo atitudes simples podem ter impacto para as gerações futuras. Não consigo entender por que as pessoas não se preocupam com o mundo que deixarão para seus descendentes. Na Europa, onde uma parte da população costuma esquiar, os adultos não pensam que, ao ter atitudes antiecológicas, privarão seus filhos ou netos do esporte. Dez por cento das estações de esqui dos Alpes estão sob risco de fechar, pois não há mais neve como antes. Outro hábito que incorporei foi comprar produtos de limpeza e alimentos orgânicos. Essas atitudes podem ter enorme impacto na saúde de todos.
Os alimentos orgânicos costumam ser bem mais caros. Não é inviável popularizá-los?
Nos últimos trinta anos, o dinheiro que os franceses gastam com comida caiu pela metade. Os alimentos ficaram mais baratos, mas não necessariamente mais saudáveis. No mesmo período, os gastos com saúde dobraram. A princípio, pode parecer ótimo sinal o fato de a comida ficar mais barata, mas não é bem assim. O baixo preço significa que ali não estão incluídos os gastos sociais, ecológicos nem os de futuros problemas de saúde decorrentes do uso de agrotóxicos, por exemplo. Um estudo feito pela WWF com mulheres de três gerações mostrou que a concentração de substâncias químicas no corpo das crianças era maior do que no das jovens. Estas, por sua vez, tinham no organismo concentração maior do que no das mais velhas. Ou seja: de uma geração para outra, houve um aumento de substâncias tóxicas. O contato com agentes poluentes cresceu tanto no ambiente externo como dentro de casa.
É possível tornar os alimentos orgânicos mais baratos?
Acho que é uma questão de tempo até que a exceção se torne regra. Se todos começarem a exigir orgânicos no mercado, eles vão baratear. Foi o que aconteceu com outros produtos, como o ar-condicionado dos carros, que antes era usado por poucas pessoas, e o telefone celular, que custava caríssimo e hoje pode sair de graça. É uma questão também de escolha do comprador. Na França, há um sistema interessante, que consiste em pagar uma quantia mensal a uma rede de produtores, e semanalmente eles entregam na sua casa uma cesta com os melhores alimentos disponíveis. Isso facilita o processo produtivo sustentável, pois se recebe o que foi produzido naquela estação, por produtores locais, sem gastar combustível para importar produtos de outros países.
Em sua viagem pelo Brasil, que iniciativas ecológicas a surpreenderam positivamente?
Passei alguns dias em um vilarejo perto de Fortaleza chamado Prainha do Canto Verde, que se mantém de maneira sustentável, vive da pesca e evita publicidade para não atrair turistas demais. A comunidade é organizada, e os jovens têm plena noção de que a preservação do local é o que vai garantir seu sustento. Perguntei a esses jovens se gostariam de ir para os centros urbanos. Eles não querem, pois sabem que, numa grande cidade, fatalmente acabariam em favelas. Também soube de outros casos interessantes de iniciativas sustentáveis, como o dos produtores de café que plantam árvores e cultivam café sob elas, protegendo a floresta.
O que a surpreendeu negativamente no país?
As cidades, que não têm planejamento. Elas vão se espalhando. São Paulo, por exemplo, é como Los Angeles, que força o cidadão a usar o carro e mantém o padrão viver-trabalhar-comprar. Um amigo meu, que mora há anos em Los Angeles, ficou sem carro pela primeira vez pouco tempo atrás e simplesmente se sentiu perdido, sem poder se deslocar direito.
Como a senhora vê o dilema entre preservar a Floresta Amazônica e desmatar parte dela para produzir riquezas?
A questão difícil sobre a Amazônia é que, preservada, ela oferece um benefício gratuito, mas não lucrativo. Talvez a solução seja encontrar uma forma de calcular quanto aquele ecossistema preservado representa, estabelecer um valor para que ele seja preservado, tornando-o viável economicamente também para as pessoas que estão deixando de ganhar dinheiro ao manter as árvores. O ecossistema preservado pode ser trocado por créditos de carbono.