Ver-se Grego
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Ver-se Grego




'Vi-me grego" ou "senti-me grego", eis duas expressões mais do que familiares no léxico nacional. Caracterizam, como é sabido, situações em que nos sentimos em apuros, ansiosos, em que estamos confusos, sem saber o caminho a seguir, sem ter noção do resultado final. Não tendo sido muitas as grandes interacções entre Portugal e a Grécia nos últimos anos, sempre que tal aconteceu, a referida expressão veio ao de cima. Veja-se a nossa derrota no Euro 2004. Vimo-nos gregos, não foi? E no momento actual, com a Grécia em tão grandes apuros e com Portugal tão dependente da crise grega, não admira que nos sintamos novamente gregos.

Mas tem sido sobretudo curioso procurar a reacção de inúmeros sectores nacionais ao que se está a passar na Grécia. Desde as correntes de email que nos chegam contando o "viver acima das possibilidades" grego, até à conversa no café da esquina censurando a reacção desordeira e violenta nas ruas de Atenas. Rapidamente, acompanhando o mote que nos chega do norte da Europa, os gregos passaram a ser vistos por cá como um povo malandro que trabalha pouco, vive à grande e que ainda tem o desplante de reclamar contra a austeridade que lhes vem sendo aplicada.

Em Portugal, parecemos esquecer que os mesmo alemães, austríacos ou dinamarqueses que apontam o dedo aos gregos, fazem-no exactamente da mesma forma para este quadrado luso à beira mar plantado. A sua ligeira complacência apenas se deve ao facto de sermos o segundo na fila. Ou alguém tem dúvidas que, deixando de existir o problema grego (com a sua saída da moeda única, por exemplo), os holofotes se virarão imediatamente para Portugal? Não só os holofotes dos mercados, mas também os de uma Europa que procura desenfreadamente bodes expiatórios para o beco sem saída que teimou a seguir.

Muitos estão convencidos que somos e continuaremos a ser tratados de forma diferente por nos estarmos a portar bem. No fundo, por estarmos a cumprir escrupulosamente o que foi combinado no memorando. Tais vozes acham mesmo que é a desordem e o caos instalado na Grécia que nos deve incentivar ainda mais a seguir este caminho de obediência e sacrifício redentor. Defendem, portanto, que devemos olhar para a Grécia para termos a certeza do que não queremos.

Curiosamente, algumas vozes a nível internacional começam a convidar os gregos a olhar para Portugal com a mesma lógica. Ou seja, devem olhar para nós como exemplo claro de que os sacrifícios e a austeridade matam de facto a economia, quer sejamos bem ou mal comportados. Que os mercados não reagem com base na delicadeza e simpatia dos povos, mas sim com uma natural especulação pouco preocupada se o país se porta bem ou não. No caso Português, o nosso espírito redentor tem levado ao afundamento da economia, com o desemprego a atingir níveis recorde, com a iniciativa privada a retrair-se dramaticamente e com a dívida pública a aumentar devido à retracção económica.

Se calhar, em vez de infantilmente olharmos para os gregos como se o que lá se passasse não tivesse nada a ver connosco, devíamos sim perceber que estamos exactamente no mesmo barco. Toda a Europa devia aliás perceber que o destino de um dos seus Estados-membros não é algo a que possa alhear-se. Assim é não só por causa solidariedade em que sempre assentou o projecto Europeu, mas também porque os mercados financeiros internacionais desregulados que agora estão a devorar os gregos, dificilmente ficarão saciados por aqui. Sejamos realistas: ver-se ou sentir-se grego, no sentido literal da expressão, deve portanto constituir-se como uma obrigação no momento actual. É o futuro dos 27 que está em causa.


Artigo publicado ontem no Açoriano Oriental

(Imagem: Gold Alert)



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