A primeira fase da crise ética do Senado está nos seus estertores diante da evidência que a campanha eleitoral não pode começar, na etapa preliminar da definição das chapas e das convenções partidárias, neste clima de bagunça, de troca de insultos e representações no Conselho de Ética contra o senador José Sarney (PMDB-AP), para forçar a sua renúncia ou a derrubada da presidência do Senado.
Alguns sinais no horizonte indicam a transa dos bastidores para abrir uma brecha na muralha da insensatez para a articulação de uma fórmula de entendimento que desarme os dois lados, para que o desmoralizado Congresso vote projetos do interesse do governo e dos candidatos, com a liberação de verbas para a continuação da gastança.
Em ginga de corpo para driblar a oposição e confundir a bancada governista, o presidente mudou o tom dos seus improvisos e declarações aos repórteres, para afirmar que a crise do Senado não é um problema dele, mas do próprio Senado.
Uma aparente cambalhota, que tem a sua singela decifração. O presidente não está abandonando o seu aliado Sarney às traças: abre a portinhola dos fundos para uma trégua. Os senadores petistas reagiram ao enquadramento na tática lulista para garantir votos da oposição com as sucessivas declarações de apoio à permanência de Sarney na presidência do Senado. Antes de uma rachadura suicida, o presidente deu uma no cravo e outra na ferradura.
Para os rebeldes petistas, o recado do dar o dito pelo não dito: "Não é um problema meu. Eu não votei para eleger o senador José Sarney presidente do Senado. Nem votei para ser senador pelo Maranhão ( Sarney é senador eleito e reeleito pelo Amapá), nem votei no Temer, no Arthur Virgílio, não votei para ninguém. Votei nos senadores de São Paulo". E um final que soou como um samba de Cartola aos ouvidos petistas: "Quem tem que decidir se o presidente Sarney continua presidente do Senado é o Senado, que o elegeu".
Em outra das muitas entrevistas, Lula cutucou o Legislativo a trabalhar para que o país não seja prejudicado com o atraso na aprovação de projetos importantes. No Senado, muitos se preocupam com o agravamento da crise, enquanto a Câmara anda de banda. O alinhavo por baixo do pano pode criar um impasse que paralise o Conselho de Ética, engasgado com o excesso de uma dúzia de pedidos de investigação de denúncias contra o presidente José Sarney. Na reunião prevista para terça-feira, o presidente do Conselho, senador Paulo Duque (PMDB-RJ), não sabe como distribuir os pedidos de investigação que, até segunda devem passar de 15. E a oposição suspeita que Paulo Duque pretende arquivar o pacote de todas as representações.
Como o prazo está encurtando, o Senado terá de encontrar uma solução urgente antes de atravessar o beco, pois é de uma evidência solar que este Congresso não tem credibilidade, não inspira a menor confiança para a saída única para a crise crônica que se agrava a cada dia.
O modelo que nasceu torto, caducou. E antes de qualquer proposta sofisticada, o Legislativo tem que enfrentar o desafio de saltar o muro das mordomias, das vantagens, da verba indenizatória e de várias outras regalias indefensáveis, como a verba para a contratação de três dezenas de assessores para os gabinetes individuais de senadores e deputados, das quatro passagens aéreas semanas para o fim de semana nos lençóis domésticos, quando têm à disposição, em Brasília, apartamentos mobiliados ou a verba para pagar a diária dos hotéis.
É uma tolice acusar de inimigos de Brasília os que criticam os abusos dos que desmoralizam a capital inaugurada antes de estar pronta e que nunca conseguiu extirpar a praga das mordomias, criadas para vencer as resistências dos que se recusavam a mudar com a família para a cidade em obras no ermo do cerrado.
Na campanha eleitoral de 2010, este será um tema inevitável no debate sobre a crise crônica dos três poderes, viciados nas mordomias, e que no Congresso passou dos limites na sequência de escândalos que corroeram a sua credibilidade.
Para o doente desenganado, apela-se para todos os recursos. O Congresso não pode ser tratado com doses homeopáticas de despistamento. O eleitor não pode esquecer que sem Congresso e liberdade de imprensa não há democracia.