JORNAL DO BRASIL
Durante os muitos anos em que frequentei a Câmara e o Senado, de 1948 até a mudança da capital para Brasília, em 21 de abril de 1960, acostumei-me a conferir informações com o secretário-geral da Mesa, sempre um servidor de alto nível, que assessorava o presidente da Casa nas interpretações do Regimento Interno. De pé, ao lado do presidente, atendia a parlamentares, funcionários e jornalistas, e era tratado com estima e respeito.
Muito da minha indignação com a crise ética e moral que degrada o Legislativo pode ser debitado às trapaças de Agaciel Maia, ex-diretor-geral do Senado, e de outros denunciados pela rapinagem do dinheiro público.
E fui lavar as manchas da alma com a releitura de O Congresso em meio século, livro editado pela Câmara dos Deputados, com as memórias de Paulo Affonso de Oliveira, servidor da Câmara de 1946 a 1997, 42 anos na Câmara dos Deputados e 13 no cargo de secretário-geral. Na Introdução, o jornalista, meu amigo de décadas Tarcísio Holanda, conta a saga para convencer o autor a prestar o seu depoimento sobre meio século da história do Congresso. Paulo Affonso começou a contar parte do que sabia em fevereiro de 1999 e terminou em 3 de maio. Na primeira etapa do mutirão, que se prolongaria em cima de um texto de 390 laudas até o segundo semestre de 2004, conta Tarcísio que, com a presença de Paulo Affonso, reescreveu o calhamaço dezenas de vezes, com o acréscimo de novos documentos, até que o livro ganhou forma.
Valeu a pena. Trata-se de um grande livro, de leitura indispensável para quem tenha interesse pela história de meio século de profundas transformações e entender como o Congresso pagou o preço da sua decadência com a mudança precipitada para a nova capital antes de estar pronta, um canteiro de obras em meio ao lamaçal do ermo do cerrado. E de se emocionar lendo afirmações como esta: "Nunca fui filiado a partido político. Entendia que, em razão das funções que exercia, não podia comprometer minha independência e a linha de isenção absoluta no trabalho de assessoria ao presidente em exercício da Câmara dos Deputados. Tinha sempre em vista o prestígio da instituição que me abrigava, assim como seu conceito perante a opinião pública". E adiante: "Congresso e democracia não vivem um sem o outro".
Nos 23 anos como secretário-geral da Mesa, Paulo Affonso assessorou os presidentes Bilac Pinto, Adaucto Lúcio Cardoso, Batista Ramos, José Bonifácio, Geraldo Freire, Pereira Lopes, Flávio Marcílio, Sérgio Borja, Marcos Maciel e Ulysses Guimarães, reeleito em 1987 simultaneamente para a presidência da Constituinte (1097-1988), em que também foi secretário-geral.
Seria exagero afirmar que se trata de uma seleção irretocável. Mas, comparado com o que temos hoje, é de avermelhar o rosto. Até chegar ao alto da escalada, Paulo Affonso lembra que entrou para a Câmara, em março de 1946, com 19 anos de idade, como datilógrafo, lotado no Departamento de Taquigrafia. Desde a modesta função começou a ter contactos com políticos que frequentavam a Taquigrafia para correção dos discursos. Os repórteres que cobriam o plenário, para as seções fixas em todos os matutinos da época, também se valiam da Taquigrafia para conseguir a íntegra de discursos importantes, dos duelos parlamentares do jogo do poder. Os líderes do governo e da oposição falavam em nome dos partidos. E o da maioria, em nome do presidente da República. Poucos parlamentares frequentavam o Palácio do Catete, distante do Centro da cidade.
A fila de senadores e deputados na antessala do gabinete do presidente é uma moda brasiliense, das menos recomendáveis. A decadência da oratória que lotava as galerias do Palácio Tiradentes nas tardes da semana de seis dias úteis, de segunda a sábado, esvaziou as galerias. A mudança de hábitos, costumes, do comportamento dos senadores e deputados passa pelas centenas de páginas na moda lançada pela Plenarium, a Editora do Congresso. E é uma leitura saborosa os retratos traçados com elegância dos presidentes a que o autor prestou assessoramento, de pé, ao lado do presidente, com o regimento sempre ao alcance da mão.
Um grande livro. E que deveria ser distribuído a metade dos 81 senadores e aí por uns 200 deputados recuperáveis. Com o resto, é perder tempo.
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