O primeiro-ministro britânico, David Cameron, não fez rodeios. Segundo ele, a reforma que está implementando é "histórica". Com o acordo, já obtido, dos 16 países-membros da Commonwealth, ele logo mais encaminhará a reforma ao Parlamento para ser ratificada.
É um passo ambicioso. Ele modifica as regras de sucessão ao trono da Inglaterra. Até agora, o herdeiro chamado a subir ao trono era o primeiro filho do soberano morto, mesmo que uma das suas irmãs seja mais velha do que ele. Em outras palavras, uma filha somente poderia se tornar rainha caso não tivesse um irmão, como ocorreu, por exemplo, com a atual rainha, Elizabeth II, filha do rei George VI, coroada em 6 de fevereiro de 1952, que não tinha irmãos.
Compreendemos o lirismo de Cameron. A monarquia inglesa é venerável. Tem mais de mil anos e a Grã-Bretanha foi uma das grandes protagonistas da história mundial. Certamente hoje, em 2011, o poder da soberana britânica ficou atrofiado, se comparado ao de seus ancestrais, como Elizabeth I na era da Renascença, ou Vitória, no século 19, rainha de um império onde "o sol nunca se punha".
Uma segunda mudança cortou as asas da Coroa: depois da rainha Vitória, a monarquia absoluta foi cedendo pouco a pouco à monarquia constitucional. Hoje, todos os poderes estão nas mãos do primeiro-ministro e do Parlamento. O papel do rei, ou da rainha, é apenas constitucional e cerimonial. Mas ele ou ela tem o consolo de ver sua cabeça nos selos postais e nas moedas e distribuir as honrarias. Mas a "sacralidade" da coroa britânica ainda irradia. Mesmo que os poderes tenham sido cortados, o soberano ainda assim é uma das grandes figuras do planeta. A mudança nas regras de sucessão, portanto, é uma revolução, como disse Cameron. Todos ficarão satisfeitos, não só as feministas.
Folheei o passado da Inglaterra para imaginar como a reforma de Cameron teria alterado o destino do reino, caso a nova regra - as filhas mais velhas se tornarão rainhas - tivesse entrado em vigor no século XVI, ou XVII, ou XX. E deparei com episódios fascinantes. Uma tal mudança de regras de sucessão poderia, em diversas ocasiões, ter transformado o destino da Inglaterra e, diante do peso deste país, mudar os caminhos da história. Dois ou três exemplo bastam para se ter uma boa vertigem.
Na Renascença, há duas ilustrações. Henrique VIII (1491-1547) e Charles I (1600-1649). Henrique VIII tinha uma irmã mais velha, Margaret. Com a regra de Cameron, ela teria reinado no lugar dele. Ora, o reinado de Henrique VIII não foi insignificante. Ele não só teve seis esposas, das quais matou algumas e três lhe deram um filho (Catarina de Aragão, que teve Maria Tudor, Ana Bolena, que teve Elizabeth e enfim Jane Seymour que teve Eduardo VI), mas também foi um dos grandes príncipes de uma época fértil e personalidades fortes (Carlos V, Francisco I). Assegurou a prosperidade econômica do reino, o início da conquista dos mares e o cisma religioso. O papa recusou-se a anular seu casamento com Catarina de Aragão (tia de Charles V) e o enraivecido Henrique VIII rompeu com Roma, matou seu genial conselheiro católico, Thomas Moore, e criou a Igreja Anglicana, cujo chefe, ainda hoje, é o soberano da Inglaterra.
Mesmo caso de Carlos I, alguns anos mais tarde. Ele também tinha uma irmã mais velha. Carlos I foi um soberano terrível. Incompetente e irascível, mergulhou o país numa sangrenta guerra civil. Sua irmã teria sido mais doce? Não sei, mas imagino.
Um último exemplo: a grande rainha Vitória (1819-1901) não tinha irmãos, nem mais novos. Subiu ao trono em 1837. Seu reinado marcou o apogeu do império britânico. Deu à luz primeiro uma menina, a princesa Vitória, em 1840 e não podia reinar porque tinha irmãos mais novos. Em lugar do trono, Vitória conquistou um marido. O imperador da Alemanha, Frederico III, morto em 1888, enquanto sua consorte vive até 1901 (como a mãe, também Vitória). O filho da princesa Victória e Frederico III foi o imperador Guilherme II (1859-1941), aquele da guerra de 1914-1918 que reinou até 1918 e depois emigrou para a Holanda.
Imaginemos que a regra criada por Cameron existisse naquela época. O filho da princesa Victória, Guilherme II teria sido imperador da Alemanha e da Inglaterra. Fazendo da história uma ficção, neste caso a guerra de 1914 teria irrompido? E a de 1939-1945? Os historiadores, filósofos, nos explicam às vezes que a História obedece a um grande projeto religioso (Bossuet), político (Michelet) ou econômico e político (Karl Marx). E se ela fosse governada, em segredo, por obra do acaso, ou ainda, pelas leis de sucessão dos tronos? E hoje? O primeiro filho do príncipe William e Kate poderá herdar o trono, seja qual for seu sexo. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO
É CORRESPONDENTE EM PARIS