Política
O Bloco do Miguel
Escrever sobre o contributo de alguém que nos acabou de deixar não é com certeza uma tarefa fácil. E não o é ainda mais quando esse alguém é nada mais e nada menos do que o Miguel Portas, consensualmente reconhecido como uma das figuras mais marcantes da esquerda portuguesa dos últimos anos. De qualquer modo, parece-me fácil encontrar uma palavra para o definir: lucidez. Em quem lia, ouvia e acompanhava expectante as sua intervenções, a sua aguçada lucidez até feria.
Privei pouco com o Miguel. Mas tal não impede que sobre ele tivesse uma tremenda admiração. Via-se que tinha uma paixão imensa pelo mundo e pela sua diversidade. Por um mundo que não era plano, que estava em permanente mudança, repleto de contradições, incertezas e injustiças, mas no qual valia a pena viver. E viver para poder compreendê-lo, conhecê-lo e sobre ele conseguir intervir. E intervir à esquerda, sabendo que não se consegue mudá-lo do dia para a noite, mas procurando torná-lo mais livre, mais justo, um sítio muito melhor para todos os que cá estão.
Sendo o Bloco uma invejável confluência de várias visões, cada qual com inúmeras qualidades, julgo que ao Miguel Portas fica associada uma permanente vontade do partido se reinventar. De não cair em dogmatismos, de fugir da cristalização, encontrando sempre no debate e na contradição uma forma de se renovar e de melhor responder aos desafios de um mundo em constante mudança. O Miguel personalizava essa esquerda inconformada, pouco permeável a maniqueísmos na análise da realidade e ao mesmo tempo inabalável na vontade de fazer diferente. Uma esquerda sedenta de viver, sedenta de diversidade, com vontade incessante de ouvir vozes diferentes, visões e perspetivas diversas que lhe permitam questionar-se a si própria e assim melhor orientar a sua ação.
É um orgulho fazer parte e contribuir para este projeto político em que o Miguel tanto acreditou. E embora tendo a certeza que a sua política estava muito longe de se cingir ao universo partidário (seria extremamente redutor se assim fosse), é bom sentir no Bloco o seu importante contributo para esta esquerda arejada que não desiste de fazer o mundo melhor. Obrigado, Miguel, e até sempre.
Artigo hoje publicado no Esquerda.net
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