O futuro da Convenção do Clima José Goldemberg
Política

O futuro da Convenção do Clima José Goldemberg


O Estado de S. Paulo - 18/04/2011

O grave acidente nuclear de Fukushima pôs em segundo plano as
discussões sobre mudanças climáticas e as medidas que poderiam ser
tomadas para evitá-las. Desastres nucleares como esse podem espalhar
radioatividade sobre amplas áreas geográficas e produzir mortes ou
doenças com sérias sequelas. Tais problemas precisam ser enfrentados
de imediato, quer evacuando centenas de milhares de pessoas - como foi
feito no Japão -, quer sepultando os reatores nucleares em sarcófagos
de concreto, como se fez em Chernobyl para impedir que a
radioatividade se espalhasse.


Já as mudanças climáticas se dão ao longo de dezenas de anos, mas
também podem ter consequências muito sérias para a vida da humanidade.
Esses efeitos, porém, ocorrem lentamente e ainda há tempo para tomar
medidas preventivas que poderão diminuir a sua gravidade.

Foi isso que se tentou fazer com a Convenção do Clima, adotada no Rio
de Janeiro em 1992, durante a Conferência da ONU sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento. Em 2012 haverá, também no Rio, um grande evento para
marcar o 20.º aniversário da convenção e discutir formas de torná-la
mais eficaz.

O objetivo da Convenção do Clima é estabilizar a concentração dos
gases responsáveis pelo aquecimento da Terra. Essa concentração está
aumentando todos os anos por causa do consumo de combustíveis fósseis,
que lança na atmosfera dióxido de carbono (CO2), o qual estava
armazenado no subsolo sob a forma de carvão, petróleo ou gás natural.

Não é uma tarefa fácil: combustíveis fósseis representam cerca de 80%
de toda a energia que se consome no mundo, movimenta trilhões de
dólares por ano e abrir mão do seu uso exigiria esforços muito
grandes, até mudanças nos atuais padrões de consumo. Ainda assim, a
Convenção do Clima foi adotada por mais de 180 países em 1992, o que
pode ser considerado um dos grandes sucessos do esforço para
introduzir racionalidade na condução dos destinos da humanidade.

Esse sucesso, contudo, foi ilusório, porque as duras medidas que
seriam necessárias para implementar as decisões da convenção não foram
levadas a efeito: o Protocolo de Kyoto, que fixava metas e um
calendário para a redução de emissões, não foi ratificado pelo Senado
americano, apesar de os Estados Unidos contribuírem com 25% das
emissões mundiais. A China - com outros 25% - e os países em
desenvolvimento foram isentos de reduções mandatórias. Apenas a União
Europeia pôs em prática o protocolo - o bloco, no entanto, representa
apenas cerca de 15% das emissões.

Uma análise das negociações que precederam a adoção da Convenção do
Clima lança luzes sobre o que realmente aconteceu na época: a área
econômica do governo dos Estados Unidos não era favorável a medidas
que reduzissem as suas emissões, por causa dos custos que implicariam;
e os países em desenvolvimento consideravam as limitações às suas
emissões de carbono um obstáculo ao seu desenvolvimento.

Mediado pelo ministro do Meio Ambiente inglês, o compromisso foi o
artigo 4.º da convenção, que no fundo não é mais do que uma exortação
para que os países industrializados adotem políticas para limitar suas
emissões, demonstrando, assim, que assumiram a liderança na adoção das
medidas adequadas, porém reconhecendo "a necessidade de manter um
crescimento econômico forte e sustentável". Esse artigo foi
considerado por Clayton Yeutter, chefe do grupo de coordenação
política da Casa Branca, "magistralmente vago".

Pagamos até hoje o preço de tais decisões e o que ocorreu em
Copenhague em dezembro de 2009, durante a COP 15, é o resultado das
ilusões criadas pela Convenção do Clima de que haveria, pelo menos
neste caso, um esforço sério de governança mundial, uma vez que
mudanças climáticas afetam todos, ricos e pobres.

O que ficou evidente após Copenhague é que os países farão, na questão
de reduções de emissões, unicamente o que os seus interesses nacionais
determinam e que não há espaço para generosidades.

Essa posição brutal, mas realista, tem vantagens e desvantagens. A
China, por exemplo, que é beneficiada pelo Protocolo de Kyoto e isenta
de limitações de suas emissões, está fazendo um esforço de reduzi-las,
pois assim diminuirá a poluição local decorrente do uso de carvão e
melhorará a eficiência do seu sistema energético. Os Estados Unidos,
sob o presidente Barack Obama, tentaram introduzir metas e prazos para
reduções de emissões, mas fracassaram. Apesar disso, a Agência
Ambiental americana está introduzindo limites às emissões de vários
setores industriais.

Em desespero de causa, alguns economistas que foram responsáveis pelo
fracasso do Protocolo de Kyoto propõem agora a introdução de uma taxa
sobre as emissões de carbono. Com isso todos os produtos que provocam
emissões ficarão mais caros e o próprio mercado acabará se
encarregando de estimular a adoção de tecnologias que as reduzam.

O governo inglês já decidiu adotar uma taxa de US$ 26 por tonelada de
CO2 emitida. Um problema sério com essa estratégia é o de conciliar o
que diferentes países farão, criando potencialmente conflitos
tarifários.

Por outro lado, os países da Europa, o Estado da Califórnia (EUA) e o
de São Paulo adotaram metas e prazos para a redução das suas emissões.
Esta estratégia coloca pressão apenas sobre os maiores emissores, que
terão de melhorar suas tecnologias, e não sobre a população como um
todo, o que taxas sobre carbono farão.

Dentro de alguns anos veremos qual estratégia terá maior sucesso. O
desenvolvimento de tecnologias de baixo carbono com energias
renováveis - e o uso em larga escala de energia solar - será essencial
para isso.




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