Pior para os fatos Carlos Alberto Sardenberg
Política

Pior para os fatos Carlos Alberto Sardenberg


O GLOBO

Não foi apenas no Brasil que o PIB de 2008 veio pior que o esperado. Praticamente em todo o mundo os principais indicadores têm surpreendido para o lado negativo. Em parte, isso tem a ver com o caráter inédito de uma crise global, dessas que ocorrem a cada século. O pessoal não tem parâmetros para avaliar, muito menos para prever.

Mas há equívocos maiores e menores. Aqui, o presidente Lula e o ministro Mantega, quando o tsunami parecia estar apenas lá fora, gostavam de zombar dos analistas neoliberais e dos investidores internacionais que não conseguiram prever e, durante bom tempo, sequer entender a catástrofe.

Mas por acaso eles, Lula e Mantega, previram?

Na verdade, os governantes brasileiros cometeram mais de um equívoco. O primeiro foi embarcar na euforia e achar que o forte crescimento econômico de 2004 até meados de 2008 seria permanente ou quase para sempre. Na verdade, esse foi um equívoco global: quando tudo ia bem, quase todo o mundo previa que as coisas seriam ainda melhores.

O segundo grande equívoco da dupla Lula/Mantega foi achar - ou pelo menos alardear - que o crescimento brasileiro era autônomo, consequência do PAC, no lado do investimento, e de programas como o Bolsa Família e os aumentos reais do salário mínimo, no lado do consumo interno. Resultou daí o entendimento de que o crescimento brasileiro não seria abortado pela crise externa, apenas perderia um pouco de ritmo.

O terceiro, e talvez mais grave equívoco, foi persistir tanto tempo no segundo. Como muita gente lá fora, presidente e ministro brasileiros demoraram para aceitar o tamanho da crise externa e praticamente só se convenceram do impacto que tem no Brasil quando saíram os números do PIB do quarto trimestre, nesta semana..

Lá atrás, quando a economia só dava alegrias, se a administração Lula tivesse sido mais sábia do que os analistas, investidores e governos internacionais, teria adotado uma postura cautelosa nos gastos de custeio da máquina pública e mais preocupada em aumentar investimentos públicos e privados. O governo diz que fez isso com o PAC, mas os números do quarto trimestre mostraram que os investimentos desabaram, exatamente como em outros países que não têm Lula nem PAC. E os números mostram também que o governo abusou de gastos que agora terá dificuldade em cortar.

Pessoas próximas de Lula e Mantega dizem que eles estão genuinamente preocupados. Alguns chegam a dizer que o ministro da Fazenda está muito assustado. Nesse caso, o discurso mais otimista seria apenas uma espécie de propaganda, uma tentativa de influenciar positivamente os humores de empresários, investidores e consumidores.

Será? Mas, nessa sequência, por quanto tempo os governantes terão credibilidade? Quando todo mundo já dizia que o Brasil, neste ano, não cresceria mais que 2%, Lula e Mantega insistiam nos 4%. Agora, quando a grande maioria dos analistas acredita que o país não vai crescer nada ou vai encolher, o Ministério da Fazenda trabalha com 2%. Mas Lula já disse que um zero-a-zero poderá estar muito bom, quando os outros perdem feio. O que indica uma outra linha, a do "menos pior".

Veremos.

Governos erram por toda parte. Mas o problema do governo Lula é não aceitar a realidade quando esta é adversa. O que faz temer pela condução da crise.

Sem crise, sem crédito

No grande ano de 2007, quando o mundo todo cresceu espetacularmente, o crédito concedido nos EUA para a compra de casa própria chegou a 86% do PIB. Para a aquisição de carros, 9,2%.

Na Coreia do Sul, o crédito imobiliário representava 53% do PIB. Para automóveis, 17%.

E no Brasil? Crédito para a compra de residências, apenas 2,1% do PIB. Para veículos, 3%. Esses números melhoraram em 2008, até setembro, mas ficaram longe dos padrões internacionais.

Eis por que a crise é menos virulenta no Brasil. Porque o crédito aqui era uma mixaria.

E isso era um defeito da economia brasileira. Pensar que era virtude leva à conclusão de que a saída para a crise mundial é não ter crédito.



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