A encrenca das concessões elétricas 2 Suely Caldas*
Política

A encrenca das concessões elétricas 2 Suely Caldas*


O ESTADO DE S PAULO
Com o Congresso paralisado e o Senado mergulhado em crise de confiança, é impossível, por lá, tramitar e ser votada, ainda neste ano, qualquer matéria polêmica, em que o interesse público necessite derrotar demandas políticas paroquiais dos senhores parlamentares. Pior ainda em 2010, quando o jogo eleitoral vira uma obsessão e eles costumam fazer de projetos em tramitação no Congresso um meio de conseguir dinheiro, enfiando adendos de interesse de financiadores de campanha.

Nesse sentido, é até melhor o governo Lula adiar para seu sucessor o envio ao Congresso da proposta que vai equacionar a polêmica questão do vencimento das concessões elétricas em 2015. O grupo de trabalho constituído no governo para propor alternativas deveria, desde já, abrir o debate sobre o tema, ouvir a opinião das empresas envolvidas, de investidores, economistas e juristas e até mesmo estruturar uma proposta, mas deixar a decisão para o próximo governo. Agindo assim, estará defendendo o interesse público, isolando da interferência política uma decisão que, para garantir sua eficácia técnica, precisa ser tomada no início de um novo governo e de uma nova legislatura, com o cacife obtido nas urnas.

A encrenca - Numa única data, em 2015, vencem as concessões da maioria das usinas hidrelétricas do País e das empresas distribuidoras de energia que não foram privatizadas. Vamos analisar o caso das usinas.

Elas estão concluídas, funcionando e a lei que prorrogou a concessão por 20 anos considera seu investimento amortizado quando chegar 2015. Portanto, seus concessionários - as mais poderosas empresas geradoras do País (Cemig, Copel, Cesp, Furnas, Eletronorte, Chesf e Eletrosul) - devem devolvê-las à União em 2015 com a tarifa zerada, sem nenhum custo para o consumidor brasileiro. A lei também determina que o governo transfira a concessão dessas usinas obrigatoriamente por licitação.

Sem dúvida, uma situação completamente inusitada, de implicações complexas, um cenário jamais vivido pelo setor elétrico - extremamente atrativo e cobiçado por investidores poderosos (públicos e privados). Afinal, eles não precisarão empatar capital de investimento, porque as usinas já existem e estão em plena operação.

Olha aí o risco político, caro leitor. Já imaginou o governo e o Congresso decidirem as novas regras para essas licitações em período pré-eleitoral, quando precisam de muito dinheiro de doadores para financiar suas campanhas? Alguém acredita que não haverá lobby nem nenhuma interferência desses ricos investidores para favorecê-los na definição dessas regras?

Coloca-se aí uma questão fundamental: a que preço o governo vai transferir esses ativos? De graça é que não pode ser. O interesse público será protegido?

Proposta formulada pelo atual presidente da Light, José Luiz Alqueres, ex-presidente da Eletrobrás e veterano conhecedor do setor elétrico, tenta dar uma resposta. De cara ele esclarece que a Light está fora da história, porque a privatização prorrogou seu prazo de concessão para 2026. Para Alqueres, o governo deveria aproveitar essa rara oportunidade para mudar o modelo de operação do setor elétrico e arrancar desses novos investidores compromissos de ampliar a capacidade de geração, construindo novas usinas, cuidar da gestão das águas dos rios e preservar o meio ambiente. Para isso o País seria dividido em 50 bacias e sub-bacias que seriam licitadas, cabendo ao novo concessionário - denominado "autoridade da bacia" - a responsabilidade de explorar o potencial hidrelétrico, apoiar o desenvolvimento regional, gerenciar o uso múltiplo dos recursos hídricos (abastecimento humano, produção de eletricidade, transporte fluvial e irrigação) e zelar pelo meio ambiente. Tudo monitorado por agências reguladoras eficientes e vigilantes e por um contrato de concessão sujeito ao cancelamento em caso de não-cumprimento dos compromissos.

À proposta de Alqueres certamente se oporão governadores, prefeitos e políticos regionais que há anos mantêm o privilégio de nomear executivos para a Eletronorte, Chesf, Furnas e Eletrosul - e deles recebem favores das estatais para empreiteiras e outras empresas financiadoras de campanha. No governo FHC um estudo da Cooper?s & Lybrand recomendava dividir o País em bacias hidrográficas. Foi tão bombardeado por políticos do Norte e do Nordeste que FHC recuou. Eles não aceitam nada que implique privatizar a Eletronorte e a Chesf. Seria mortal para suas negociatas nas duas estatais. 

*Suely Caldas, jornalista, é professora de Comunicação da PUC-Rio ([email protected])



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