"Missão: Assegurar a estabilidade do poder de compra da moeda e um
sistema financeiro sólido e eficiente" - é a inscrição encontrada na
primeira página do site do Banco Central (BC) e destacada logo abaixo
do nome da instituição. Desde o 2.º semestre de 2011, esse simulacro
de juramento começou a ficar desfocado e agora, depois da reunião do
Copom de quarta-feira, ficou claro que seu texto precisa mudar para
ser honesto e verdadeiro.
Combater a inflação e garantir o poder de compra da moeda sempre foi
papel central dos BCs. Mas há países, como os EUA, que incorporam um
terceiro item na missão: garantir crescimento econômico. Nas decisões
sobre taxa de juros, o Federal Reserve defende a saúde do sistema
financeiro, a moeda e o emprego dos americanos. Na Europa, a enxurrada
de dinheiro liberado pelo Banco Central Europeu por vezes é confundida
com socorro à recuperação da atividade econômica, mas o verdadeiro
objetivo é salvar o euro do abismo.
Defender o crescimento econômico e o emprego não macula a missão do
Banco Central, muito pelo contrário. É obrigação do banco olhar a
economia real em suas avaliações. O BC brasileiro sempre a olhou, ao
decidir a taxa básica de juros, mas não como critério principal e
motivador de suas decisões. Isso até quarta-feira, quando reduziu a
Selic em 0,75 ponto porcentual de uma só vez. Cometeu um erro? O
futuro pode mostrar que não. Já há economistas e banqueiros
respeitados, como Roberto Setubal, do Banco Itaú, afirmando que há
mais espaço para cortar juros. A novidade é que, sem subterfúgios, de
forma clara e explícita, o BC incorporou a defesa do crescimento
econômico e do emprego em sua missão.
Certo? Errado? O País, sua economia, o mercado e o BC estão maduros
para conferir essa terceira tarefa ao Banco Central? Pode ser que sim,
pode ser que não. Vai depender do grau de autonomia demonstrado pela
direção do BC nos próximos meses. Há quem veja no corte da Selic
interferência da presidente Dilma Rousseff. E auxiliares seus - como
Marco Aurélio Garcia, Guido Mantega e Fernando Pimentel - ajudam a
reforçar essa convicção quando opinam sobre juros e anunciam
previamente sua queda. Dilma os enquadrou: "Em meu governo é o BC; nem
eu nem ninguém tem autorização para falar sobre juros". Mas nada
garante que eles parem de falar. Se nem funcionários graduados
entendem que o mercado se aproveita e especula com seus palpites, como
imaginar que há maturidade, a começar pelo governo, para atribuir ao
BC tarefa com tal amplitude política?
Interferência ou não, o fato é que, desde o final de 2011, Alexandre
Tombini e companheiros do BC têm destacado o crescimento econômico em
suas declarações e análises. Às vezes até deixando a inflação em
segundo plano. Foram convencidos por Dilma? Quem saberá?
E o momento é apropriado? A inflação está controlada e voltando para o
centro da meta? E se o dilema inflação x crescimento ressurgir, como
no 1.º semestre de 2011, qual dos dois vai prevalecer nas próximas
decisões do Copom?
O cenário atual não é bom para um nem para o outro. Pode haver certo
exagero em falar em desindustrialização, como fizeram o secretário da
Fazenda de São Paulo, Andrea Calabi, e o presidente da Fiesp, Paulo
Skaf. Mas a queda continuada da produção industrial há meses e o tombo
de 16% de bens de capital em janeiro são extremamente preocupantes.
Impressiona é que até agora o emprego e a demanda pouco foram afetados
e seguem em taxas elevadas.
Segundo Calabi, excluindo a incidência sobre os importados, no 1.º
bimestre deste ano a arrecadação do ICMS do setor industrial caiu 2%,
refletindo queda real de produção em São Paulo. Há quem identifique no
desajuste do câmbio e na falta de competitividade com importados o
problema maior da indústria. A inflação por ora está quieta, mas
especialistas apostam que só até junho. Além disso, a queda nos juros
pode estimular o crédito, o consumo e a inflação.
É aí que o BC vai mostrar se tem ou não autonomia e maturidade para
assumir sua terceira missão.