O Globo - 02/09/2009 |
Ex-diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo critica falta de argumentos para mudar regime de concessão A criação da Petro-Sal e sua influência no controle das atividades ligadas às áreas do pré-sal no regime de partilha lança dúvidas sobre o papel da Agência Nacional do Petróleo (ANP) no novo modelo, diz o especialista em energia e ex-diretor-geral da ANP David Zylbersztajn. Para ele, a nova estatal será uma espécie de "ANP do B" e essa alteração deverá reduzir o poder da ANP no novo modelo, o que poderá torná-la apenas um braço de auxílio nas futuras licitações. Zylbersztajn também critica a falta de argumentos concretos para que o atual regime de concessão seja substituído pelo de partilha. Para ele, o atual modelo é bem-sucedido, ainda oferece condições de aumento da arrecadação por parte do governo e tornou viável que se chegasse ao pré-sal. Erica Ribeiro O GLOBO: Como o senhor vê a atuação da Agência Nacional do Petróleo (ANP) com as novas regras para o pré-sal? ZYLBERSZTAJN: A ANP continua atuando, gerindo, dentro do que já está licitado pelo regime de concessão, inclusive as áreas de pré-sal que já passaram pelo processo de licitação, como Tupi e Iara (ambas na Bacia de Santos). Porém, nas futuras áreas, se aprovadas no Congresso as regras previstas no projeto, há novas situações onde a ANP pode se tornar um braço de auxílio. A dúvida é sobre o papel da agência reguladora com a PetroSal. Quando se tem uma estatal como a Petro-Sal controlando as atividades do présal e o ritmo como tudo será feito, ela, a Petro-Sal, se torna uma ANP do B e o poder da ANP fica reduzido nesse caso. Como o senhor avalia a mudança do atual modelo de concessão para o de partilha? ZYLBERSZTAJN: Ficou faltando o governo apresentar com cálculos, com alguma planilha, algo que mostrasse o real motivo de substituir o modelo de concessão pelo de partilha. Essa conta não foi feita e até agora ninguém perguntou sobre ela. O modelo de concessão se mostrou eficaz todos esses anos e a arrecadação é significativa. Foi com esse modelo, inclusive, que se chegou ao pré-sal. O que, por exemplo, deveria ser melhor explicado? ZYLBERSZTAJN: Se alguém falasse, concretamente, por exemplo, que se chegou ao limite de arrecadação pelo modelo de concessão e que o ideal é mudar o modelo, tudo bem. Mas sabemos que o modelo atual ainda não chegou no limite. Ainda é possível aumento de arrecadação com as participações especiais. Faltou mostrar as vantagens e desvantagens de cada modelo para que fosse aberta uma discussão sobre o projeto. Como é em outros países? ZYLBERSZTAJN: Em geral, o que se vê em países onde há modelo de partilha em vigor é uma relação promíscua entre empresas e governo. São países com regimes autoritários, com baixo IDH (Índice de Desenvolvimento Humano). O novo modelo oferece riscos à competição? ZYLBERSZTAJN:Nessa nova circunstância, há uma empresa do governo, a Petrobras já tem no mínimo 30% de participação nas áreas e pode disputar os outros 70%. O que quer dizer que o parceiro da Petrobras pode não ser uma empresa de petróleo. Pode ser um banco ou investidores. Pode haver uma ameaça à entrada de mais empresas. É preciso ver que empresas vão se sujeitar aos novos controles. O modelo pode ser um risco. Antes, pelo modelo gerido pela ANP, todos eram concessionários, inclusive a Petrobras. E quanto à capitalização da Petrobras? Como o senhor vê a medida? ZYLBERSZTAJN:Acho que estamos nadando em incertezas, dando um cheque pré-datado sem saber ainda quanto vamos ter de fato lá na frente, no futuro. Estamos falando de algo para acontecer daqui a 15, 20 anos. Será preciso, antes de mais nada, confirmar as expectativas de reservas. Acredito que isso deverá se confirmar. Mas faltou novamente alguém explicar quanto vai custar extrair o petróleo da área de pré-sal a 300 quilômetros da costa e qual é o ganho real ao se calcular este custo no negócio. Se o governo licitasse pelo regime atual as áreas, ao contrário de emprestar US$ 50 bilhões, embolsaria US$ 50 bilhões. O governo cita a criação de um Fundo Social com recursos do pré-sal para que a União possa investir em educação, saúde, meio ambiente, cultura, ciência e tecnologia... ZYLBERSZTAJN:Mais uma vez, ninguém mostrou de quanto será o ganho pelo modelo de partilha. Os mesmos US$ 50 bilhões poderiam ser usados em projetos de educação e saúde hoje. A necessidade existe hoje. Só daqui a uma década esse fundo começa a arrecadar dinheiro. Na minha opinião, o governo deveria guardar uma distância sanitária de vender petróleo. Mas é bom para o país ter um bom sistema de arrecadação. |
Autor(es): Danielle Nogueira e Catarina Alencastro |
O Globo - 02/09/2009 |
Para Feldmann, investimento vai sujar matriz energética e mercado mundial de petróleo pode encolher em 20 anos — O Brasil corre o risco de ir na contramão da História — diz o secretário-executivo do Fórum Paulista de Mudanças Climáticas e Biodiversidade, Fabio Feldmann. — Do ponto de vista interno, a produção do pré-sal tende a sujar a matriz energética. Do ponto de vista externo, existe a tendência de restrição de combustíveis fósseis. Qual será a participação do petróleo no cenário mundial em 20 ou 30 anos? É uma questão de mercado. Metas para CO2 devem desestimular uso de petróleo Hoje, 45% da matriz energética nacional são renováveis. Nos países ricos, essa fatia não chega à metade, mas existem esforços para elevar o índice. No fim deste ano, haverá uma conferência em Copenhagen, Dinamarca, para debater a Convenção do Clima da ONU. Na ocasião, espera-se que as metas de redução de CO2 sejam revistas. Feldmann avalia que este e os próximos encontros sobre o tema fixem metas de redução para 2050 de 50% a 80% das emissões referentes a 1990. Ainda não há consenso se os países em desenvolvimento, como o Brasil, terão que aderir às cotas. Mas grandes consumidores de petróleo serão pressionados a substituir seu uso. Por isso, diz Feldmann, o sonho do presidente Lula de fazer justiça social com os recursos advindos da exportação do petróleo do pré-sal pode se inviabilizar a longo prazo. O campo de Tupi, licitado em 2000 e primeiro a ter suas reservas confirmadas, só deverá estar em plena atividade em 2014/2015. A maior parte do pré-sal, porém, sequer foi a leilão e depende da aprovação do novo marco regulatório para que seja licitada. O professor do Instituto de Eletrotécnica e Energia da USP José Goldemberg alerta ainda para o risco de que recursos públicos alocados em projetos de energias limpas, como hidrelétricas e usinas eólicas, possam ser desviados para o pré-sal. Ele pondera que seria ingenuidade pensar que o governo pudesse ignorar as megarreservas, pois entre 75% e 80% da energia consumida no mundo hoje ainda são de combustíveis fósseis (petróleo, gás natural e carvão). O erro, diz, é sobrevalorizar o pré-sal. — O Brasil não está em Marte. Está no planeta Terra. Seria ingenuidade pensar que as reservas do pré-sal seriam ignoradas em nome do meio ambiente — diz Goldemberg. — Mas ainda há muitas incertezas. Não convém ser ambicioso demais. Desviar recursos de outras soluções energéticas para o pré-sal é o risco que temos de evitar. Tecnologia para estocar carbono ainda está em teste O pesquisador avalia que a expansão das hidrelétricas deveria ser prioridade e que a energia eólica deveria ganhar mais atenção. As primeiras representam 13,8% de nossa matriz energética, e a segunda responde por apenas 3,5%, ao lado de energia solar, óleos vegetais e outras fontes alternativas. O secretário-executivo do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas, Luiz Pinguelli Rosa, defende que parte dos recursos obtidos com o pré-sal seja usada no desenvolvimento de energias renováveis e de mecanismos que mitiguem o aumento da emissão de CO2. O Fórum enviou carta a Lula com a proposta em 2008. Com a pressão do Ministério do Meio Ambiente, a sugestão foi incorporada de última hora ao marco regulatório. Ontem, o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, admitiu que o pré-sal emite mais CO2 que os campos do pós-sal. Ele ponderou, porém, que do ponto de vista do impacto ambiental, o pré-sal é menos agressivo, por se localizar mais longe da costa e ser mais profundo. — Do ponto de vista exclusivo do meio ambiente, o pré-sal é menos danoso do que aquela exploração mais perto do litoral, porque ele está muito mais longe e muito mais profundo. O que ele é mais agressivo é em emissões de carbono. Aí, realmente, é pior, porque o gás do pré-sal tem três a quatro vezes mais CO2 do que o do pós-sal. Mas isso não é um impeditivo absoluto. Há tecnologias para isso — disse o ministro, em referência a pesquisas da Petrobras na área de captura e estocagem de carbono. Conhecida pela sigla CCS (Carbon Capture Stock), a tecnologia consiste basicamente em enterrar gases causadores do efeito estufa no subsolo. A Petrobras tem projetos pilotos na Bacia do Recôncavo, na Bahia, onde já teria enterrado uma grande quantidade de CO2. Mas a tecnologia ainda carece de estudos e atualmente seria inviável em larga escala |