A capitalização da Petrobras envolverá de US$ 50 a 60 bilhões, ou quase um terço do valor de mercado atual da empresa, e será, de longe, a maior já ocorrida no mercado brasileiro.
A capitalização é essencial para os investimentos de US$ 224 bilhões previstos para os próximos cinco anos no plano de negócios da empresa divulgado em 21 de junho sem incluir os investimentos nas áreas do pré-sal tratadas no projeto de lei que permite a capitalização através da cessão onerosa.
Com uma dívida total de R$ 100 bilhões, a estatal está próxima do seu limite máximo de endividamento. No final do ano passado, a taxa de alavancagem da empresa, dada pela relação entre a dívida líquida (R$ 71 bilhões) e o patrimônio líquido era de 31%, a maior desde 2004. Para manter a classificação de investment grade das agências classificadoras, a empresa deve manter a sua alavancagem abaixo do teto de 35%. Sem a capitalização, a captação de novos empréstimos comprometeria esta política e encareceria o próprio custo dos empréstimos.
A capitalização da Petrobras é uma operação financeira normal. A iniciativa do governo de angariar recursos para viabilizar sua participação na capitalização através da cessão onerosa de áreas petrolíferas ainda não concedidas, embora introduza mais um regime jurídico na exploração e produção de petróleo e gás natural no Brasil, é também justificável. Do ponto de vista políticoideológico, ao privilegiar a Petrobras na cessão onerosa de reservas, o governo demonstra a intenção de limitar a abertura do mercado de petróleo no país e de reduzir a participação dos minoritários no capital da estatal.
Não há impedimento para que a cessão onerosa fosse efetuada via leilão com a participação de outras empresas petrolíferas. As áreas em questão poderiam ser dividas em blocos viabilizando a entrada de um maior número de empresas.
Os recursos arrecadados no leilão seriam utilizados no aporte da União na capitalização da Petrobras. A Petrobras seria capitalizada com moeda corrente, reduzindo o custo financeiro de seus investimentos, que, de outra forma, serão efetuados através de novos empréstimos. O projeto preveria ainda que, em caso de participação e vitória da Petrobras na aquisição de direitos de blocos leiloados, a estatal os pagasse com títulos públicos e que estes títulos correspondessem a uma parcela do aporte do governo.
Na forma proposta, o projeto pode ainda facilitar o aumento da participação da União na Petrobras. Caso o governo estabeleça o preço do barril das reservas acima daquele visto como justo pelo mercado, os investidores minoritários terão pouco interesse na operação de capitalização, possibilitando ao governo exercer o direito à compra da sobra de novas ações não subscritas.
A fixação de um valor elevado para o barril das reservas cedidas pode também afetar os leilões das áreas do présal a serem exploradas sob o regime de partilha da produção, ao conduzirem o governo a estabelecer as condições de bônus de assinatura ou da sua parcela na partilha que não atraiam o interesse das petrolíferas privadas. Ocorreria assim mais uma oportunidade de a Petrobras aumentar sua hegemonia na exploração e produção no Brasil.
Apesar de o projeto se preocupar apenas com áreas do pré-sal sob o regime de cessão onerosa, a sua aprovação pode rebater no ritmo dos leilões de concessões de áreas do pós-sal e nos de acordos de partilha de produção.
Considerando a soma dos investimentos previstos no portfólio da Petrobras com os que terão que ser efetuados nas áreas cedidas, além da obrigatoriedade de participação mínima de 30% nas áreas do pré-sal exploradas sob o regime de partilha, a empresa pode não ter fôlego para disputar estes certames, levando ao adiamento.
Nunca foi segredo a rejeição do Partido dos Trabalhadores à abertura do mercado petrolífero brasileiro. Apesar de alguns membros do partido já reconhecerem as vantagens que a abertura trouxe para o fortalecimento do Petrobras, inclusive para permitir o seu uso como uma ferramenta política do governo, ainda há forte pressão contrária à participação das petrolíferas privadas, especialmente as estrangeiras.
Nesse sentido, o projeto pode representar um passo a mais nessa direção.
ADRIANO PIRES é diretor da organização não governamental do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE).