Para os contemporâneos das décadas de 1970 e 1980 (a geração dos
sem-moeda), chegam a ser cômicas as declarações de que vivemos uma
guerra cambial e de que o real é vítima de ataques especulativos. São
preocupantes as decisões de conter os influxos cambiais por meio de
todos os tipos de controles. Nesta toada, podemos perder a grande
oportunidade que têm as economias dos países emergentes pós-crise de
2008 para aproveitar a abundância de dólares e realizar investimentos
necessários. Além de complicar o combate à inflação e de até
prejudicá-lo.
A economia brasileira tem seu crescimento potencial limitado pela
baixa capacidade de geração de poupança. Portanto, é inequívoca a
dependência da captação de poupança externa. Em 2010, por exemplo, a
economia do País cresceu 7,5%, com a absorção doméstica se expandindo
em 10,3%. Contribuíram para isso o aumento da demanda pública e a
capitalização do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
(BNDES) para a concessão de crédito subsidiado (obviamente, nada que
ver com a eleição!).
Se não fosse o aumento do déficit em conta corrente, de 1,5% do
Produto Interno Bruto (PIB) para 2,3%, entre 2009 e 2010, com as
importações aumentando 42% no mesmo período, a inflação teria ido para
o espaço. Em 2010, a inflação atingiu 5,9%.
Para 2011 projetamos crescimento de 3,9% e ainda estamos na iminência
de a inflação romper o teto superior da banda, seja porque a demanda
continua aquecida, seja porque temos importantes choques de oferta.
Dados os comportamentos da inflação nos últimos meses e das
expectativas de inflação, é provável que, mesmo com uma maior
apreciação do câmbio, o Banco Central (BC) seja obrigado a elevar os
juros ainda ao final deste ano, quando ficar claro que a inflação não
convergirá para o centro da meta. Inclusive, o Banco Central cita em
seu último Relatório de Inflação que "a estratégia de política
monetária poderá eventualmente ser reavaliada".
A nova liderança do Banco Central pós Henrique Meirelles, em conjunto
com o Ministério da Fazenda, vem sinalizando uma linha mais voltada à
heterodoxia, intervencionista, utilizando todo tipo de instrumentos
ditos macroprudenciais no lugar da tradicional política monetária. E
cada vez mais se distanciando das expectativas de mercado.
Em relação à política cambial, fica evidenciada uma política de bandas
cambiais ultrassujas (crawling peg) tentando estabelecer piso para a
taxa de câmbio com fortes intervenções do Banco Central e da Fazenda,
com esta impondo restrições à entrada de dólares.
As medidas sequenciais de Imposto sobre Operações Financeiras (IOF)
sobre as captações externas, inclusive de médio prazo, somadas às
declarações do Ministério da Fazenda e ao pré-aviso de que estas
deverão continuar, resultaram numa avalanche de antecipações de
entrada de dólares.
Já temos um influxo, neste início do ano, de US$ 35,6 bilhões, ante
US$ 2,4 bilhões no mesmo período do ano passado e cerca de US$ 24,5
bilhões em todo o ano de 2010. As compras desses excedentes pelo Banco
Central, elevando ainda mais as reservas internacionais, têm um custo
estimado de R$ 54 bilhões este ano.
A experiência passada comprova que tais "paliativos", como o
"IOFetismo" da política cambial, não terão êxito, porque o mercado
encontrará suas "brechas" para atender à demanda.
O câmbio flutuante é um dos principais fatores para o equilíbrio
macroeconômico. Com ele não se brinca. Ressalta-se que temos
necessidades de financiamento do balanço de pagamentos estimadas em
US$ 94,9 bilhões para este ano. Se continuarem os impeditivos como o
IOF, a quarentena e a argentinização da política cambial, haverá grave
piora do prêmio de risco país e desvalorização do câmbio, com impactos
nefastos sobre uma inflação já alta.
A elasticidade do câmbio em relação à inflação é de 0,05. A mudança de
patamar de R$ 1,70 para R$ 2,00 por dólar (17,6%) geraria um aumento
na inflação de 0,9 ponto porcentual. Assim, a inflação passaria para
algo como 7%. Por outro lado, o afrouxo do nível de intervenção no
câmbio permitiria que a taxa fosse para algo como R$ 1,55 por dólar, o
que faria o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) ficar
abaixo de 6%.
Quanto ao cenário internacional, no curto prazo, o Federal Reserve
(Fed, o banco central norte-americano) deve continuar com sua política
de recuperação do nível de atividade, por meio da expansão da
liquidez, inclusive exportando inflação para o mundo via commodities.
Tal estratégia nos parece correta, uma vez que o seu PIB depende
substancialmente do setor de serviços, e este segue com inflação
bastante baixa para padrões históricos.
No caso brasileiro ocorre o inverso: em 12 meses, o IPCA cheio está em
6,3% e o setor de serviços está com alta de 8,5%.
Num contexto mundial como este, em que a alta das commodities deve
continuar, nada mais sóbrio do que deixar o câmbio apreciar, na
direção de compensar, em parte, essa alta de preços vinda de fora.
As mudanças adotadas e a nova sinergia entre Banco Central e Fazenda
são um grande equívoco. Deixar o câmbio flutuar, adotar uma política
fiscal responsável sem "mandrakismos" e elevar os juros para esfriar a
demanda continuam sendo a receita certa para evitar a volta da
inflação.
Tratar o câmbio como bandido na atual conjuntura é não entender seus
efeitos nocivos sobre a inflação e a nossa dependência de poupança
externa.