Governo tem dificuldade até para chegar a corte de gasto insuficiente
para conter alta maior de juros
PARA QUASE todos os observadores da economia, o anúncio mais
importante deste início do governo Dilma Rousseff é o tamanho do corte
dos gastos federais. Os ministros do Planejamento, Miriam Belchior, e
da Fazenda, Guido Mantega, ainda não apresentaram um número à
presidente. Segundo assessores da própria Dilma, isso deve acontecer
hoje. Os assessores dizem que o corte pode ficar entre R$ 40 bilhões e
R$ 60 bilhões. Se fôssemos viajar com essa precisão, saindo de São
Paulo e mirando o Rio a gente poderia acabar em Belo Horizonte, mas
passemos. Há outras complicações. Num estudo divulgado ontem, o
economista do Santander e colunista desta Folha Alexandre Schwartsman
pergunta: corte de uns R$ 50 bilhões em relação ao quê? Em relação ao
Orçamento inflado pelo Congresso? A previsão de aumento de despesa em
relação a 2010 é de R$ 100 bilhões. Um corte de R$ 50 bilhões na
previsão de despesa do Orçamento significa, pois, um aumento de gastos
de R$ 50 bilhões sobre o ano passado. Ou seja, um crescimento da
despesa de cerca de 1,2% de um PIB em valores correntes de R$ 4,1
trilhões em 2011. Nessas contas, pressupõe-se um crescimento otimista
do PIB de 5,5%, o número que consta do Orçamento, e inflação de 6,1%,
média das previsões dos departamentos de pesquisa que mais acertam a
estimativa.
E daí? O economista padrão e agora até o núcleo dos economistas do
governo acreditam que gastos menores do governo reduzem, é óbvio, o
total do consumo no país e que isso, em tese e muito provavelmente,
tem algum efeito na velocidade da alta de preços, na taxa de inflação.
Qual redução de gastos, pois, seria relevante para a redução do
consumo de modo que a inflação ficasse mais ou menos na meta?
Estimativas de inflação do próprio Banco Central para 2011 preveem
IPCA um tanto acima da meta de 4,5%. Nessa conta do BC, pressupõe-se
um superavit primário (poupança do governo) de 3% do PIB.
Nas contas de Schwartsman, um superavit "oficial" de 3% significa, na
prática, para o que importa em termos econômicos, um superavit de 2,7%
do PIB (o economista deixa de lado os décimos de porcentagem obtidos
graças às mágicas contábeis que o governo tem utilizado para dizer que
cumpriu a meta).
Desse modo, o corte de gastos teria de alcançar 1,4% do PIB, ou cerca
de R$ 85 bilhões, a fim de que se atinja o superavit pressuposto pelo
Banco Central em suas estimativas de inflação. Em tese, quanto mais
longe o governo ficasse desse número, mais o BC teria de aumentar os
juros a fim de entregar uma taxa de inflação mais ou menos na meta.
Como o próprio Schwartsman observa, há várias estimativas de superavit
necessário na praça. Além do mais, há incertezas várias nessas contas:
o crescimento do PIB, a taxa de inflação e o efeito do corte de gastos
na inflação.
Ainda assim, dados os descontos de imprecisões e metodologias
diferentes, parece difícil acreditar que um corte de R$ 50 bilhões
baste. Na verdade, as melhores estimativas na praça sugerem que o
gasto do governo teria ser reduzido, em termos reais, para dar conta
do recado de reduzir demanda, inflação e tamanho da alta de juros. Tal
coisa, redução de gasto público, costuma acontecer apenas em anos de
crise bem ruim, como em 2003.