VEJA teve acesso ao áudio da famosa reunião entre
o delegado Protógenes e a cúpula da Polícia Federal
em que ele nega a participação de espiões da Abin na
Operação Satiagraha – e admite que tinha informação
"de inteligência" sobre o que se passava no STF
Expedito Filho e Diego Escosteguy
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Alan Marques/Folha Imagem | CRIADOR O delegado Paulo Lacerda foi afastado da Abin depois que seus agentes grampearam os telefones do presidente do Supremo, Gilmar Mendes |
Rafael Andrade/Folha Imagem e Alan Marques/Folha Imagem |
CRIATURAS O juiz Fausto de Sanctis e o delegado Protógenes Queiroz não ficam bem na fita gravada pela Polícia Federal |
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Em julho passado, seis dias depois da operação que resultou na prisão temporária do ex-banqueiro Daniel Dantas, a cúpula da Polícia Federal convocou uma reunião com os policiais que investigaram o caso. De um lado estavam o diretor da Divisão de Combate ao Crime Organizado, Roberto Troncon, o superintendente da PF em São Paulo, Leandro Coimbra, e o chefe da divisão de Combate aos Crimes Financeiros, Paulo de Tarso Teixeira. Do outro, Protógenes Queiroz, coordenador da operação, e sua equipe. Tudo o que se revelou sobre o encontro foi que, ao cabo de conversas tensas, o delegado Protógenes foi afastado do comando da investigação. Na semana passada, VEJA teve acesso à íntegra do áudio do encontro, gravação feita com a aquiescência de todos os participantes, mas mantida em segredo pela direção da Polícia Federal. As quase três horas de reunião foram pontuadas por brigas e trocas de acusações pesadas entre a cúpula e a equipe de Protógenes. Os momentos mais didáticos foram aqueles em que a direção da instituição condenou os métodos de trabalho da equipe de Protógenes. Ele chega a ser chamado de "paranóico" por seus superiores. Em certo ponto, as conversas praticamente confirmam uma das mais ousadas ações clandestinas do grupo de Protógenes: a espionagem do gabinete do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes.
No início da reunião, Protógenes tentava explicar a seus superiores por que não comunicara a eles o fato de terem sido recrutados para a operação espiões da Agência Brasileira de Inteligência (Abin). Àquela altura, sabia-se apenas que os arapongas haviam "cooperado" com Protógenes. Também já existiam suspeitas de que o gabinete do presidente do Supremo estava sob vigilância clandestina. Mas o delegado Protógenes cuidou de confessar isso cabalmente durante a reunião ao contar que estava sendo informado dos passos do ministro Gilmar Mendes. Disse Protógenes: "Nós sabíamos que tinha um HC já preparado, já um outro HC, que estava sendo gestado no gabinete no Supremo Tribunal Federal... né? E em escritórios de advocacia. Isso em trabalho de inteligência que nós...". O delegado não completou a frase e seguiu em frente sem se referir mais aos habeas corpus (HC). Ninguém lhe perguntou que trabalho de inteligência era esse, capaz de informar em tempo real o que se passava dentro do STF. Profético, o delegado ainda ironizou: "Vão surgir notícias de que nós grampeamos o Supremo, que a Abin grampeou...". A reunião aconteceu no dia 14 de julho. Em setembro, mais de um mês depois, uma reportagem de VEJA revelou que não só o gabinete de Mendes fora alvo de escutas ambientais, como os telefones do ministro haviam sido monitorados pelos espiões da Abin. A reportagem mostrou a transcrição do grampo de uma conversa telefônica do ministro com o senador Demóstenes Torres, gravada exatamente no período em que, "em trabalho de inteligência", Protógenes ficou sabendo detalhes do que se passava no STF – e isso foi confessado pelo delegado na reunião.
Patrícia Santos/AE |
INVESTIGAÇÃO A corregedoria da PF descobriu que os seus policiais cometeram uma série de crimes durante as investigações da Satiagraha em associação com espiões do governo |
Fica claro na fita que Protógenes mentiu a seus superiores sobre a participação dos espiões da Abin. Alguém pergunta isso ao delegado diretamente e ele é categórico: "Não houve. Os agentes da Abin apenas trocaram informações conosco". Protógenes assegurou que os arapongas se limitaram a checar informalmente os endereços dos investigados. Roberto Troncon quis saber se os espiões haviam manuseado dados colhidos na investigação. Protógenes, mais uma vez, não vacilou: "Análise específica, não". Na conversa, que em diversos momentos desandou para o bate-boca, os delegados falaram sobre seu desconforto profissional com as lambanças feitas pela turma de Protógenes. O áudio revela que a direção da Polícia Federal estava furiosa por não ter sido avisada da operação com antecedência. Troncon criticou severamente os subordinados, especialmente Protógenes: "Você tem uma teoria da conspiração e uma paranóia que contamina todo mundo". O delegado ouviu calado.
Na seqüência, como Troncon insistia em saber por que Protógenes resolvera agir em segredo, um dos delegados da equipe fez a seguinte revelação: "Tem um compromisso com o juiz (Fausto de Sanctis, responsável pelo processo contra o banqueiro Daniel Dantas)". E acrescentou: "Esta não é uma operação como as outras. Ela envolve corrupção no alto escalão dos três poderes". É mais um indício de que a turma do Protógenes andava investigando o STF. Segundo Protógenes, De Sanctis estaria preocupado com o possível vazamento da operação e deu a ordem para realizá-la da forma como foi feita. O juiz Fausto de Sanctis é aquele que, segundo depoimento da desembargadora Suzana Camargo, dizia estar informado sobre tudo o que se passava dentro do gabinete do ministro Gilmar Mendes. Como isso era possível? Uma das hipóteses é a de que o juiz também recebia informações oriundas do tal "trabalho de inteligência" do delegado Protógenes. De Sanctis nega o teor do diálogo com a desembargadora e também que soubesse da participação de espiões da Abin no caso. Na semana passada, em uma palestra, o juiz surpreendeu de novo, ao defender a tese de que a Constituição, e por conseqüência as leis menores, não pode se sobrepujar à vontade do povo. Parece bonito e libertário, mas, longe de serem originais, as idéias de De Sanctis têm raízes nas teses formuladas pelo alemão Carl Schmitt (1888-1985), um dos inspiradores do arcabouço jurídico do nazismo. Ao lado do comunismo, o nazismo foi um dos regimes que melhor usaram essa idéia de baratear a Constituição para implantar ditaduras implacáveis e sanguinárias. Em outras palavras, para o doutor De Sanctis, os valores expressos na Constituição, que representam a essência do regime democrático, podem ser relativizados em nome de outros valores. Quem decide que outros valores são esses? Na Alemanha nazista, foi Adolf Hitler. No Brasil, será que essa tarefa deve ser prerrogativa do juiz e de Protógenes?
Está cada vez mais evidente que a associação do delegado com espiões da Abin produziu uma das mais embaraçosas peças processuais da história recente. Investigações da corregedoria da PF comprovaram que os espiões, agindo sem nenhum respaldo legal, seguiram, filmaram e vigiaram autoridades supostamente envolvidas em ações criminosas. Também manipularam interceptações telefônicas, tiveram acesso a informações sigilosas, elaboraram relatórios e chegaram a violar o mais famoso equipamento de grampo telefônico, o Guardião. O relatório preliminar da corregedoria revela que Protógenes poderá responder pelos crimes de vazamento de informação, usurpação de função pública e realização de grampos e filmagens clandestinas. Pode ser acusado ainda de prevaricação. Isso ocorrerá se ficar comprovado que o delegado usou seu cargo na PF para perseguir Dantas com o objetivo de vingar um amigo: o diretor afastado da Abin, Paulo Lacerda. Vítima de um dossiê montado por Daniel Dantas em 2006 para intimidar autoridades do governo, Lacerda tornou-se inimigo do banqueiro.
As investigações sobre a Satiagraha estão a cargo do corregedor Amaro Ferreira. Em três meses de trabalho, ele identificou 84 agentes da Abin que, por ordem de Lacerda, trabalharam clandestinamente sob o comando de Protógenes, realizando tarefas muito mais abrangentes do que checar endereços. Lacerda e Protógenes fizeram de tudo para esconder a participação dos arapongas porque ela é ilegal e, em alguns momentos, como já se demonstrou, trilhou caminhos criminosos. Com base nos depoimentos tomados, a polícia já sabe que os espiões manipularam transcrições de conversas telefônicas, inclusive do ministro Gilmar Mendes. As informações colhidas eram transformadas em relatórios de inteligência e repassadas ao delegado Paulo Lacerda. Foi por isso que a PF realizou uma busca e apreendeu os computadores do setor de operações da Abin há duas semanas. Ela acredita que encontrará neles as provas que faltam para demonstrar a dimensão do trabalho clandestino dos espiões.
Com reportagem de Fábio Portela
A caça a Protógenes
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