No ato da posse da ministra Gleisi Hoffmann, a presidente Dilma
Rousseff listou os compromissos de seu governo: "Vamos manter a
economia em crescimento, controlar a inflação, garantir a rigidez
fiscal, criar mais e mais empregos, investir pesadamente em educação,
fortalecer nossa classe média e distribuir renda". Ufa! Se vai
conseguir tudo isso ao mesmo tempo, numa trajetória sem recuos,
interrupções nem freio de arrumação, o futuro dirá.
Ela quase deixou escapar o controle da inflação - o maior desses
compromissos. O Banco Central (BC) agiu e os preços não recuaram, mas
desaceleraram. Na quarta-feira o BC reconheceu que a batalha não está
ganha, ao elevar a Selic. E o pior momento virá em setembro, quando
petroleiros, bancários e metalúrgicos prometem, em suas campanhas
salariais, indexar a inflação passada ao reajuste do salário - caminho
perigoso, com enorme poder de disseminar a indexação de preços por
toda a economia. O País ainda não está preparado para conviver com
inflação baixa e crescimento alto por longo tempo. Os gargalos da
infraestrutura atrapalham.
Mas esse é um problema para ser tocado pela nova ministra da Casa
Civil. A urgência, agora, é a presidente fazer o arranjo da
interlocução política entre Poderes Executivo e Legislativo. Com a
demissão de Palocci, Dilma vem sendo cobrada para conceber um modelo
de diálogo com parlamentares. Seu antecessor passou oito anos
dedicando boa parte do tempo a negociações com partidos aliados. A
cada proposta do Executivo levada ao Congresso, o Palácio do Planalto
respondia com distribuição de cargos e verbas. Lula cedeu a essa
prática sem resistências, loteou o governo entre os partidos,
enfrentou incontáveis denúncias de corrupção e fraudes no governo e
acabou consolidando um modelo ruim, que degrada a gestão pública.
Estilo diferente de Lula, Dilma age inversamente, tem sido dura em
confiar cargos a políticos despreparados. Isso seria qualidade ou
defeito? A classe política considera defeito e evoca Lula como
exemplo: ele, sim, foi sábio nessa função. Já Dilma é estreante,
concentradora, inflexível e fechada ao diálogo. Para a opinião pública
é justamente o oposto: enxerga qualidade quando Dilma resiste a falar
o viciado idioma de cargos e verbas, que Lula falava com desenvoltura,
gerando feridas na administração pública e no bolso do contribuinte.
É exatamente a definição de limites e abrangência que a presidente
deveria trabalhar para conceber o modelo de interlocução entre
Executivo e Legislativo, que não se restringe ao Palácio do Planalto e
às demandas de parlamentares por cargos e verbas. É maior do que isso.
Agora, escolhida Ideli Salvatti para ministra, as duas precisam
definir conceitos para esse novo desenho, voltados para valores
institucionais, e não para a coisa miúda e degradante do troca-troca
de cargos por votos no Congresso. Salvatti deve fazer jus ao nome do
Ministério - Relações Institucionais.
Governo de coalizão pressupõe representação partidária na gestão - nos
ministérios, sim, não em cargos técnicos que exigem competência,
especialização e conhecimento. E o compromisso de representação Dilma
cumpriu. Há muito a construir nessa relação, mas um passo importante
seria impor limites aos dois lados. Para a base parlamentar: propostas
do Executivo ao Congresso devem ser discutidas e alteradas pelos
partidos aliados (talvez até melhoradas) para ser aprovadas, e nunca
alvos de troca-troca de interesses miúdos. Questão de princípio,
inalterável. Para o Executivo: definir critérios que limitem o envio
de medidas provisórias, que avançam sobre as atribuições e
desrespeitam o Legislativo como poder independente. Limites
respeitados, que prosperem diálogo e entendimento.
Seria essa uma proposta ingênua? Para quem vive o clima político de
Brasília, certamente. Para o resto do País não. É simplesmente o
cumprimento de regras da democracia. Sem isso Dilma Rousseff vai
passar o mandato como o antecessor, negociando o varejo miúdo e
degradante. E arrisca não cumprir os compromissos de crescer,
controlar a inflação, criar mais empregos, etc.