O senador Aécio Neves, como relator de uma proposta de emenda
constitucional do presidente do Senado, José Sarney, que altera a
apreciação das medidas provisórias pelo Congresso, vai apresentar
semana que vem, na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, um
parecer que, na prática, subordina as medidas provisórias - que se
transformaram em um instrumento do hiperpresidencialismo - à decisão
do Congresso.
A ideia central da proposta é que as medidas provisórias somente terão
força de lei depois de serem consideradas admitidas pelo Congresso
Nacional, dentro dos critérios de relevância e urgência hoje
existentes.
Caso contrário, a matéria passaria automaticamente a tramitar como
projeto de lei em regime de urgência constitucional.
A admissibilidade será apreciada por comissão mista permanente de
deputados e senadores, em processo sumário, com recurso para o
plenário do Congresso ou, nos períodos de recesso, pela Comissão
Representativa.
Essa alteração leva, também, à extinção da comissão mista ad hoc
encarregada de dar parecer sobre as medidas provisórias, algo que,
segundo o relatório de Aécio Neves, a experiência já mostrou ser
preciso, uma vez que esses colegiados nunca funcionaram a contento,
sequer formalmente.
Outra alteração dá às medidas provisórias tratamento similar aos
projetos de lei, que, se rejeitados em uma Casa legislativa, não vão à
outra. Assim, não votar uma medida provisória no prazo estipulado
significaria rejeitá-la. O que o relator propõe é que a tramitação das
medidas provisórias em cada Casa do Congresso seja autônoma,
representando um ciclo completo.
Mantém-se a previsão do sobrestamento da pauta, caso a Câmara dos
Deputados não vote a matéria em 45 dias e o Senado, em 35.
Como forma de permitir maior flexibilidade para Câmara e Senado, no
entanto, o sobrestamento da pauta não se aplicaria a matérias que
também estejam em regime de urgência constitucional.
O parecer do senador Aécio Neves incorpora o espírito de uma proposta
do senador Paulo Bauer que impõe restrições ao alcance das medidas
provisórias, vedando que elas legislem sobre criação ou transformação
de cargos, empregos ou funções públicas e criação ou transformação de
ministérios e órgãos e entidades públicas.
Essas matérias, no entender do senador Aécio, podem ser apreciadas
através de projeto de lei, nada havendo nelas que demande o processo
excepcionalíssimo das medidas provisórias.
Tanto a proposta inicial de Sarney, que muda a tramitação das MPs
dando mais prazo e liberdade de atuação ao Congresso no exame delas,
quanto o relatório de Aécio alteram uma situação em que a maioria
parlamentar cede o poder ao presidente em troca de benefícios
clientelistas.
Além dos critérios de urgência e relevância, que não são obedecidos na
edição das MPs, a aprovação era tão automática que o governo cansou de
enviar ao Congresso medidas provisórias que traziam embutidos assuntos
diferentes, sem que fosse respeitado o inciso II do artigo 7 da Lei
Complementar nº 95, de 1998, que proíbe que uma lei contenha matéria
estranha a seu objeto.
O governo fez isso durante muito tempo, até que as "pegadinhas", como
ficaram conhecidas, foram descobertas pela oposição.
Uma medida provisória tratando de um tema irrelevante - e que,
portanto, não poderia ser objeto de uma medida provisória - embutia
decisão importante, como, por exemplo, a prorrogação do prazo para as
empresas que aderiram ao Refis.
A edição de MPs passou a ser uma forma de impor fatos consumados ao
Congresso, pois elas geram efeitos imediatos e irreversíveis.
E passaram também a ser um instrumento de atuação política do
Executivo para paralisar o Legislativo nos momentos de maior crise
política, conforme constatou o cientista político Sérgio Abranches em
um estudo já referido aqui na coluna.
A média de sessões trancadas de 2002 a 2006, por exemplo, foi de 64%,
mas atingiu seu auge (71%) entre 2004 e 2006, com o surgimento do caso
Waldomiro Diniz e do mensalão.
Tanto na proposta de Sarney quanto no relatório de Aécio Neves está
destacado que o procedimento de tramitação de medidas provisórias
atual possibilita que o Poder Executivo legisle sem participação do
Congresso.
Com as alterações propostas, o Legislativo só aprovará o que quiser,
passando a ser responsável pelas medidas provisórias que entrem em
vigor.
Embora tenha mostrado seu parecer a alguns deputados e senadores há
dias - antes, portanto, do episódio da Lei Seca em que se envolveu no
Rio -, a defesa da autonomia do Congresso pode render a Aécio Neves
noticiário político mais favorável do que aquele, de conotação
policial.
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Sobre a coluna intitulada "Acesso à informação", o leitor Farlei
Martins Riccio, que edita o site "Direito Administrativo em Debate" e
faz pesquisa sobre o tema da transparência pública para tese de
doutorado na PUC-Rio, informa que, embora o governo Barack Obama tenha
determinado uma ampliação da política de "governo aberto" ("open
government") logo que tomou posse, na semana passada, por força das
negociações para aprovar o orçamento, o programa de transparência do
governo americano - incluindo o "Data.gov" e o "USAspending.gov" -
sofreu cortes orçamentários de 75%. Já outros programas e serviços
foram cortados, em média, em 10% em relação ao orçamento anterior.
Em cifras, o programa tinha uma previsão de US$34 milhões e passou a
contar com apenas US$8 milhões. O corte foi tão drástico que a
Sunlight Foundation, organização independente de vigilância da
transparência governamental, lançou uma campanha chamada "Save the
Data" com o fim de mobilizar a opinião pública para a importância do
programa e as consequências do corte orçamentário.