O Brasil já fez o básico: pôs todas as crianças na escola, reduziu a
mortalidade infantil, criou um sistema universal de saúde, incluiu
trabalhadores rurais na Previdência e está enfrentado a violência.
Avançamos, mas o economista Edmar Bacha e o sociólogo Simon
Schwarstzman dizem que agora começa o complexo, que vai exigir do País
aprender a pensar de outra forma.
Brasil: A Nova Agenda Social é o nome de um livro organizado pelos
dois. É resultado de um ano de trabalho e três seminários com 15
especialistas do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade e do
Instituto de Estudos de Política Econômica Casa das Garças. Em
qualquer área, há assuntos difíceis para os quais o País tem de
encontrar soluções, olhando experiências que deram certo em outros
países.
A Constituição de 1988 estabeleceu que a "saúde é um direito de todos
e um dever do Estado". Dito assim, parece que o País tem serviço
universal, integral, igualitário. Não tem. "Há uma contradição entre a
promessa da Constituição e a realidade. Os 25% de renda mais alta têm
plano de saúde que usam para procedimentos normais. O SUS é dos
pobres, exceto quando os ricos precisam dele para as emergências e os
tratamentos e exames de alta complexidade", diz Bacha.
No livro constata-se que o SUS gasta mais com os mais ricos do que com
os 30% mais pobres do País. Há outra complicação que está agravando o
problema, segundo Simon Schwartzman: "Está havendo um processo de
judicialização.
Como a Constituição estabelece que o direito à saúde é completo e
integral, se alguém for à Justiça com um bom advogado consegue, por
exemplo, que o Estado pague seu medicamento. Tem crescido muito. São
novas obrigações que recaem sobre o sistema, pela via judicial,
desorganizando a capacidade de atendimento. A mesma coisa com exames
complexos e caros. O sistema tem o princípio da equidade e uma prática
desigual."
Todos os temas são complexos, diz Bacha. Os planos de saúde deveriam
em tese pagar por esses serviços mais caros, mas dizem que com tabela
SUS não dá para trabalhar. Daqui para diante, alerta Simon, os
serviços ficarão mais caros pela sofisticação natural dos avanços da
medicina e porque a população ficará mais velha. "Nada disso está
sendo devidamente estudado. Há problemas de gestão, integração entre
planos de saúde e o SUS. Propor só aumento do gasto com Saúde é
começar pelo final", afirma Bacha.
Conversei com os dois no programa Espaço Aberto, da Globonews. O
curioso é que apesar de ser discussão sobre agenda social, há mais
economistas do que sociólogos na lista dos autores dos estudos no
livro. Simon acha que os economistas são bem vindos ao debate e
lamenta que existam poucos sociólogos debatendo os assuntos. Bacha diz
que é natural o interesse dos economistas: "Esses gastos dos quais
falamos representam 25% do PIB. Compare com o tempo que os economistas
dedicam aos estudos sobre indústria, que é 12% do PIB."
Pela complexidade dos problemas nessa etapa do desenvolvimento do País
fica claro que é preciso mais cabeças pensantes para se encontrar as
soluções viáveis.
No combate à violência, Simon levanta tese polêmica: de que as Forças
Armadas deveriam repensar seu papel diante das mudanças que ocorreram
nas áreas internacional e interna. Acha que elas deveriam pensar em
sua presença nos problemas internos de forma mais permanente: "É uma
discussão complicada e difícil. O entendimento de todos é que a
presença dos militares é temporária. Mas as Forças Armadas deveriam
discutir um papel de mais longo prazo e mais permanente na segurança
interna. A ideia de uma atuação só externa é antiquada, dada a
situação interna e internacional."
Bacha lembra que nos grandes centros como no Rio entende-se que a
presença dos militares na segurança é incidental, como houve na
ocupação do Complexo do Alemão. Mas os desafios maiores hoje estão nas
cidades do Nordeste, Norte e Centro-Oeste, onde a autoridade não tem
estrutura para enfrentar os problemas.
Na Previdência, o Brasil tem números que mostram de forma eloquente
que alguma coisa está errada. "Temos 10% da população com mais de 60
anos e gastamos 11% do PIB com a Previdência, o mesmo nível de países
que tem 30% de pessoas nessa faixa etária. Pela juventude da nossa
população o País deveria estar gastando 4,5%", diz Bacha.
Apesar disso, lembra Simon, no Brasil não há idade mínima de
aposentadoria e as mulheres têm a vantagem de cinco anos a menos na
contagem do tempo, apesar de viverem em média sete anos a mais. Nos
outros países essa diferença já acabou e está se elevando a idade
mínima.
Na educação está tudo por ser feito. O que o Brasil fez até hoje foi
universalizar o ensino fundamental. Agora há um enorme dever de casa.
"Saber como gerenciar a escola para que o resultado que se busca seja
seu principal objetivo que é educar; dar formação adequada para
professores; organizar disciplinas; procurar experiências de outros
países. Não há solução fácil. Antes era colocar a criança na escola;
construir escola e chamar professor. Agora é desenvolver
inteligências", afirma Simon.
Feito o básico nas políticas sociais, agora é a hora da qualidade. É
bem mais difícil, mas uma agenda inevitável. (Com Álvaro Gribel)