Está para ser aprovada pelo Congresso Nacional a Medida Provisória
544, que cria a figura da Empresa Estratégica de Defesa. O Ministério
da Defesa está definindo o Plano de Articulação e Equipamentos de
Defesa (Paed), que deve indicar os produtos que deverão ser adquiridos
da indústria nos próximos 20 anos.
Há quem tema, como o professor Eduardo Brick, do Instituto de Estudos
Estratégicos (Inest) da Universidade Federal Fluminense (UFF), que
esse plano não seja feito de forma a integrar as necessidades das
Forças Armadas àquelas destinadas a fortalecer e preparar a indústria
e promover a inovação relacionada a esses produtos.
No Brasil, os problemas afetos à indústria de defesa estão
distribuídos por três ministérios (Defesa; Desenvolvimento e Indústria
e Comércio; e Ciência e Tecnologia), e o planejamento exige uma
estreita interação entre esses três entes públicos, além da própria
indústria, que teria muito a colaborar nesse planejamento.
Ao mesmo tempo está para ser votado o Projeto de Lei de Conversão, que
será muito importante porque cria a figura da empresa brasileira
"nativa" na Base Logística de Defesa (BLD), designação que Brick usa
para diferençar de empresa brasileira.
Essa última, pela Constituição, é qualquer uma que tenha sede no
Brasil, independentemente da origem do capital controlador.
Embora em alguns setores (mídia e aviação civil) já houvesse
restrições ao controle por capital estrangeiro, essa restrição não
existia nas indústrias de defesa. O problema é corrigido com essa lei.
Ela também incentiva a inovação e a integração das infraestruturas de
ciência, tecnologia e inovação (CT&I) e industrial para defesa, e, na
opinião de Eduardo Brick, minimiza também o que considera "um dos
maiores absurdos" que a legislação anterior criava: o governo
brasileiro podia comprar no exterior produtos que sejam de interesse
estratégico para a defesa nacional sem pagar qualquer imposto,
enquanto as compras internas, na indústria brasileira, eram agravadas
com os enormes impostos que vigoram aqui, como se fosse um produto
qualquer destinado ao consumo.
Já o cientista político Clovis Brigagão, do Centro de Estudos das
Américas da Universidade Candido Mendes, e professor-visitante do
programa de mestrado em Relações Internacionais da Uerj, tem uma visão
crítica sobre a Política de Defesa no Brasil.
Para ele, o Ministério da Defesa mais parece um órgão militar do que
propriamente um ministério de política pública de defesa integrada em
orçamento, compra e gastos.
Continuam prevalecendo para Brigagão os interesses separados da
Marinha, do Exército e da Aeronáutica. Um avanço foi a criação do Alto
Comando de Defesa.
O professor Clóvis Brigagão lembra que já tivemos uma indústria bélica
brasileira nos anos 60 a 80 do século passado, que "sumiu, virou pó",
com muito subsídio do BNDES, que pagou a conta dessa "aventura" que,
segundo ele, teve "muito marketing e pouco resultado efetivo.
Brigagão diz que a transferência da tecnologia militar para a
indústria de bens e serviços foi nula nesse processo.
Para ele, o projeto que cria o regime tributário especial para a
indústria de defesa nacional e normas específicas para licitação de
produtos e sistemas de defesa, com preferência para a produção
nacional, que isenta as chamadas empresas estratégicas credenciadas
pelo Ministério da Defesa da cobrança de IPI, PIS, Pasep e Confins, é
um privilégio inaceitável:
"O Estado é uma mãe para a indústria de defesa, que igual a outra
qualquer de importância para o país deveria agir de acordo com as
regras do mercado e não viver às custas do contribuinte que paga a
conta e não sabe o que é feito nem na defesa, nem na indústria da
defesa."
Domício Proença Júnior, professor do Programa de Engenharia de
Produção do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa
de Engenharia (COPPE) e do Programa de Políticas Públicas, Estratégias
e Desenvolvimento do Instituto de Economia (IE) da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), escreveu na "Revista Brasileira de
Política Internacional" um artigo sobre a indústria bélica que começa
sintomaticamente com uma citação do filósofo alemão Ernst Jünger:
"Máquinas não vencem batalhas, mesmo que se ganhem batalhas com
máquinas - uma enorme diferença".
Para ele, "mais ou melhor tecnologia não garante mais ou melhores
arranjos de defesa". A ênfase tecnológica expressa, por exemplo, na
meta dos EUA de Transformação ou na Estratégia Nacional de Defesa do
Brasil "presume uma passagem fluente desde a busca por resultados
tecnológicos até sua materialização em termos de arranjos de defesa".
O professor Domício Proença Júnior considera que "o aprendizado que
permite identificar, desdobrar e usar vantagens combatentes só pode
ser adquirido e mantido vivo nas organizações e pessoas pela prática,
pelo exercício e pela crítica que nasce da articulação entre estudo,
experimento e experiência".
O processo que leva de possibilidades tecnológicas a vantagens
combatentes é, por sua própria natureza, uma obra inacabada, alerta em
seu texto Domício Proença Júnior, para quem "a tutela civil tem que
ser capaz de impor dinâmicas que conduzam e apoiem o cerne de
capacidade combatente das forças, impedindo que este se paralise em
dinâmicas burocráticas, autocomplacentes e satisfeitas". ( Continua
amanhã)