“Eu compreendo que o Prof. Marcelo Rebelo de Sousa tenha muita mágoa em não poder continuar a passar as suas habituais e luxuosas férias de fim de ano na mansão à beira-mar no Brasil do Dr. Ricardo Salgado, mas essa mágoa não o autoriza a dizer mentiras a meu respeito e do banco a que presido”. Zangam-se as comadres, sabem-se as verdades. As acusações acima, feitas há uma semana, são de José Maria Ricciardi, chateado pelo comentador televisivo ter sido parcial na análise ao caso BES. Marcelo respondeu incomodado dizendo que era ele que pagava as suas viagens e pagava “rotativamente as refeições” (?!). Enfim… Dispensávamos os pormenores. Ficámos a saber que Marcelo é bastante próximo de Ricardo Salgado. Nada que nos espante, mas que se calhar importa ter em conta quando ouvimos as suas análises sobre o caso BES.
Outros episódios com contornos semelhantes têm surgido nestes semanas de intenso aparato mediático-judicial. Algumas ligações empresariais de Marques Mendes têm vindo ao de cima. Acusações sobre ligações a Ricciardi nos domínios do imobiliário, assim como proximidades ao ex-presidente do IRN, agora detido, António Figueiredo. O comentador televisivo já veio desmentir quaisquer ilegalidades. Ficámos, no entanto, a saber com quem se dá o tão elogiado e isento comentador político.
E situações como estas multiplicam-se, seja no caso BES, no caso Vistos Gold, nos casos que envolvem Sócrates, nos Submarinos ou em todos os grandes casos de corrupção com que fomos sendo brindados nos últimos anos. Vamos sabendo aos poucos quem se dá com quem neste mundo sujinho dos negócios e da política. Exemplos não faltam. Aliás, quando queremos perceber bem em que ponto Portugal está, basta recordar as ligações com benefício financeiro que continuam por esclarecer entre o atual Presidente da República e os seus amigos criminosos do BPN.
Num país pequeno como o nosso, as elites políticas estão demasiado próximas das elites económicas. Cruzam-se em círculos diversos, são grandes amigas e trocam frequentemente de papéis. Não admira portanto que tenhamos tão frequentemente políticos que se transformam em gestores de sucesso e vice-versa. O mundo dos negócios e o mundo da política cruzam-se com uma excessiva facilidade.
E, como se tal não bastasse, é interessante a aliança destes dois mundos consegue reflectir-se também na comunicação social. Os grandes comentadores possuem também ligações um estranhas ao mundo político-económico, influenciando naturalmente a forma como percepcionamos o que se está a passar. Os Marcelos, os Marques Mendes, os Vitorinos, os Sarmentos, os Sócrates, os Santanas Lopes, os Jorges Coelhos, entre muitos outros, movem-se bem entre os referidos mundos e sabem demasiado bem o que por lá se passa. Não deixa, por isso, de ser caricata a forma como se mostram surpreendidos sempre que um destes grandes escândalos de corrupção acontece.
Todos aprendemos recentemente o que queria dizer a expressão “DDT”. Quando Ricardo Salgado, caiu em desgraça, todos ficámos a saber o que a expressão queria dizer. Mas, para além dos Donos Disto Tudo, se calhar era bom estarmos um pouco mais atentos e perceber quem são “Amigos Disto Tudo”. No fundo, aqueles que, não sendo donos, alimentam e alimentam-se deste sistema algo podre. Aqueles que circulam nos grandes corredores dos negócios e da política, sempre muito bem informados de tudo, excepto quando a coisa dá para o torto. Aí, ficam sempre surpreendidos e até são os primeiros a criticar duramente o sucedido
Bem sei que não precisamos no momento presente de caças às bruxas, procurando descobrir e incriminar quem são os amigos dos corruptos caídos em desgraça. Certo… Mas convém também mostrarmos que o povo não é parvo. O país está cansado destas elites que o governam, assim como dos amigalhaços que as suportam e sustentam.
Artigo hoje publicado no Açoriano Oriental