Em pleno Agosto, quando o país já entrou a banhos e já estávamos todos prontos para mergulhar na estupidificante silly season, eis que os enredos na novela Espírito Santo teimam em densificar-se. Soubemos este fim-de-semana que o Estado vai apoiar o banco em 4,9 mil milhões, através da linha de capitalização dos bancos da troika. Ficámos também a saber que panorama bancário nacional terá um Novo Banco, no fundo um “banco bom”, para deixar descansados todos os depositantes do antigo BES.
Como já vem sendo apanágio neste tipo de novelas, as novidades multiplicam-se todos os dias. Entre comunicados do Banco de Portugal, declarações dos diversos partidos, notícias a todo a hora e análises dos comentadores da praça, o cidadão comum assiste a este processo com uma contemplação estupidificante. Por um lado tem a certeza que não consegue apreender toda a sua complexidade. Por outro lado, também sabe que o que é verdade hoje, deixará de o ser amanhã. Na espuma dos dias, está sobretudo preocupado em saber se mais este colapso bancário nacional terá consequências no seu bolso. Uns dizem que sim, outros dizem que não. O melhor é segurar firmemente a carteira, porque os carteiristas andam por aí.
Mas torna-se também interessante acompanhar as fases que suportam a total estupidificação pública em torno deste colapso do BES. Aliás, quem por estes dias lê o que vai saindo na imprensa e a sua interpretação pelos comentadores mainstream da praça, fica bastante elucidado sobre as referidas fases. Tivemos primeiro a “Fase Surpresa”. Ou seja, quase todos os comentadores da praça mostraram-se surpreendidos com o que se estava a passar. Sem perceber em detalhe o fenómeno, os Marcelos Rebelos de Sousa, os Marques Mendes, os Ricardos Costas e os Josés Gomes Ferreiras da nossa imprensa apressam-se a reproduzir estranhas verdades, como por exemplo a que “o BES não tem nada a ver com o GES. O primeiro está de boa saúde, o segundo é que está com problemas”. Os resultados estão à vista. No caso BPN, tivemos esta fase em torno do quase consenso em nacionalizar o Banco, sob pena de toda a economia portuguesa colapsar.
Temos depois a “Fase da Indignação”. Ou seja, a fase em que dissiparam-se algumas dúvidas, a fase em que o que ontem era verdade passou hoje a ser uma mentira e em que estamos por isso muito indignados. Encontramo-nos precisamente nesta fase no caso BES. Quem leu os jornais este fim de semana, percebeu que da esquerda à direita, todos os comentadores da praça condenam veementemente o vilão Ricardo Salgado. Todo o mal assenta na sua pessoa e na sua capacidade de enganar o país. Como se um processo desta dimensão pudesse ser imputado apenas a um indivíduo e não existissem centenas de coniventes com tudo o que se passou. Mas uma vez que as responsabilidades são difíceis de apurar, é bastante mais conveniente centrar o mal numa pessoa e no seu círculo mais próximo.
Não tardará e chegaremos à “Fase do Era Evidente”. Ou seja, os mesmos comentadores que há umas semanas se mostraram surpresos e que agora se mostram indignados, não tardarão a dizer em pouco tempo que tudo isto “era evidente”. Era evidente que o existiam negócios duvidosos e obscuros no BES, era evidente que Ricardo Salgado era um bandido, era evidente que tudo isto ia colapsar.
E assim vamos, de escândalo em escândalo, de miséria em miséria, vivendo felizes e contentes com os desmandos que todos os dias sucedem no país. A culpa é de todos, a culpa não é de ninguém. A culpa é do sistema. Hoje assistimos a esta novela BEStial que passa em horário nobre. Amanhã outra surgirá. A estupidificação pública prossegue e continuam a ser muito poucos os que estão verdadeiramente dispostos a acabar com a mesma.
Artigo hoje publicado no Açoriano Oriental
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