Thomaz Favaro
Ali Burafi/AFP |
Buenos Aires, 2001 |
As fotos de cidadãos depredando agências bancárias no centro de Buenos Aires são as mais emblemáticas da crise que levou a Argentina a decretar a moratória de sua dívida externa em 2001. Após o bloqueio das contas pelo governo – o corralito –, milhares de argentinos foram às ruas para exigir seu dinheiro de volta e pedir a renúncia do presidente Fernando de la Rúa. Desde então, o país cresceu a taxas altas, apesar de permanecer fora do mercado internacional de capitais, que não costuma emprestar a quem tem fama de caloteiro. Os problemas vieram quando as vacas magras da crise financeira se fizeram sentir nos pampas argentinos. A fim de reforçar o caixa, o governo tentou emplacar em 2008 o aumento do imposto sobre as exportações de grãos, que respondem por 36% do comércio exterior do país. O plano foi barrado no Congresso. Seis meses depois, a presidente Cristina Kirchner assaltou as aposentadorias privadas, estatizando todos os fundos de previdência, para tapar um rombo de 10 bilhões de dólares nos cofres do estado. A medida paliativa não livrou o governo de seus principais problemas: poucas reservas (meros 46 bilhões de dólares), a maior dívida pública da América do Sul (47% do PIB) e nenhum dinheiro em caixa. Agora, Cristina Kirchner sinaliza que os argentinos querem voltar a bater às portas dos bancos – desta vez, gentilmente, para pedir empréstimos.
O primeiro sinal enviado pela Casa Rosada foi o acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), firmado no começo do mês, que permite que o organismo faça uma auditoria nas contas do país. A medida abre caminho para o pagamento da dívida de 6,7 bilhões de dólares que a Argentina possui com o Clube de Paris, grupo de dezenove países que financiam nações em desenvolvimento, e que a presidente já prometeu liquidar. O segundo veio na semana passada: o governo anunciou que pretende revogar a lei que proíbe a renegociação da dívida pendente da moratória de 2001. Em 2005, o então presidente Néstor Kirchner, marido da atual governante, renegociou parte da dívida de 95 bilhões de dólares. Três em cada quatro credores concordaram em receber do governo argentino o equivalente a 35 centavos para cada dólar devido. Agora, Cristina Kirchner quer saldar a dívida com os 25% dos credores que rejeitaram o acordo e foram para a Justiça reclamar seu dinheiro. O montante devido é estimado em 20 bilhões de dólares, mais juros de 9 bilhões.
Desde o início da crise mundial, as nações emergentes têm atraído a maior parte dos investimentos estrangeiros. Só neste ano, o Brasil já recebeu mais de 11 bilhões de dólares, segundo estudo do Instituto de Finanças Internacionais. Em comparação, a má reputação da Argentina e as políticas populistas dos Kirchner provocaram uma fuga de 13 bilhões de dólares no mesmo período. Se houver um acordo com pelo menos 60% dos credores, a dívida da Argentina será considerada virtualmente quitada e o país poderá voltar a captar recursos no mercado internacional. As principais agências classificadoras de investimentos já divulgaram que vão melhorar a classificação da Argentina caso a negociação se concretize. Nos últimos anos, a única fonte de financiamento do casal Kirchner no exterior foi a Venezuela. O presidente Hugo Chávez comprou mais de 6 bilhões de dólares em títulos da dívida pública argentina. A generosidade bolivariana tinha seu preço: na última compra, o governo venezuelano cobrou juros anuais de 15%. "Nos mercados internacionais, o governo poderia conseguir financiamentos com uma taxa entre 10% e 12%", disse a VEJA a economista Carolina Schuff, da consultoria argentina Abeceb. Em comparação, o Brasil, que sempre pagou religiosamente seus compromissos, capta dinheiro a juros de 5%.