A expropriação dos fundos de aposentadoria privada decidida terça-feira pela presidente Cristina Kirchner demonstra que o rombo fiscal da Argentina é bem maior do que o suspeitado. Parece difícil agora evitar nova suspensão de pagamentos e mais um desastre econômico.
A Argentina tem (ou tinha) um sistema duplo de aposentadorias. O trabalhador opta (ou optava) pelo sistema de sua preferência no início da vida profissional.
Há o sistema de repartição, equivalente ao nosso INSS, em que as contribuições do trabalhador de hoje pagam as aposentadorias do trabalhador de ontem. O déficit, quando há, é coberto pelo Tesouro. A ele estão filiados 5 milhões de argentinos.
O outro sistema é (ou era) o de capitalização, administrado por entidades privadas, parecido com o que prevalece no Chile. É aquele em que o trabalhador contribui todos os meses para sua conta pessoal, administrada por um fundo. A aposentadoria será equivalente ao bolão que tiver sido formado com o rendimento ao longo dos anos. O patrimônio total desses fundos é de cerca de US$ 30 bilhões e deles participam 9,5 milhões de argentinos, cujos aportes anuais são próximos dos US$ 9 bilhões.
A decisão foi acabar com o sistema de aposentadorias privadas. O governo se apropria, assim, não apenas do patrimônio dos fundos, mas também das contribuições mensais.
A justificativa dada foi "proteger o patrimônio do futuro aposentado". Explica-se: a crise está açoitando os ativos financeiros e, assim, o patrimônio dos fundos vinha emagrecendo. Com uma agravante: como pelo menos 60% desse patrimônio está aplicado em títulos do governo argentino, boa parte dessa desvalorização patrimonial não tem a ver com a crise global, mas com a encrenca da economia do país.
Em 2009, quando aumentarão as despesas eleitorais e clientelistas, vencem US$ 20 bilhões em títulos da dívida argentina. Para cerca da metade está prevista captação externa que, numa situação de crise global, ficou improvável.
Na prática, o governo está metendo a mão nesse patrimônio e nas contribuições mensais, deixando para governos futuros a tarefa de pagar as aposentadorias.
A reação foi a pior possível. Nos três últimos dias, a Bolsa de Buenos Aires caiu 18% e a fuga de capitais se acentuou. As cotações dos títulos da dívida argentina despencaram e o índice de risco voltou a ser o dos tempos de iminência de suspensão de pagamentos. O nível de confiança afundou ainda mais. Ficou escrachada a situação fiscal calamitosa que o governo Kirchner tentava esconder.
Pior que tudo, o governo parece estupefato com a reação. Imaginava que, com a desvalorização do patrimônio dos fundos privados, os contribuintes ficariam agradecidos. Pela reação dos políticos e imprensa local, ocorreu o contrário.
A decisão terá de passar pelo Congresso, onde o governo tem pequena maioria. Mas ela pode ser ilusória. Há três meses, quando examinou o aumento do Imposto de Exportações (retenciones), o Senado impôs ao governo uma derrota acachapante. Se isso se repetir agora, além da crise econômica acentuada com a queda dos preços das commodities e das receitas de exportações, a Argentina pode mergulhar numa forte crise política.
ConfiraQueda-de-braço - Ontem, o Banco Central topou a briga e, para matar a voracidade de dólares do mercado, despejou US$ 50 bilhões em títulos lastreados em moeda estrangeira.
No dia, as cotações chegaram a subir 6,4%. Depois que o Banco Central entrou com todo seu cacife, caíram 5,5%, para fecharem o pregão com queda de 3,15%. Quer dizer, num único dia, entre máxima e mínima, a oscilação foi de quase dez pontos porcentuais.
Nesse grau de incerteza, imagine-se a epopéia que é fechar o preço de um produto importado ou de um contrato em moeda estrangeira.
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