Há dúvidas sobre as causas da valorização excessiva do real. As
hipóteses são de que ela é resultado da ação dos bancos centrais dos
países em que crise, que emitem dólares, euros e ienes; é consequência
natural da valorização das commodities que o Brasil exporta; acontece
pelo fato de o país ser hoje mais atraente ao capital estrangeiro; e,
por fim, reflete a atração irresistível que o investidor sente pelos
juros altos, no mundo de taxas negativas.
Qual é a melhor resposta? Todas as alternativas anteriores. O fenômeno
definido pela presidente Dilma com a expressão "tsunami monetário" -
os US$ 8,8 trilhões emitidos pelos bancos centrais dos Estados Unidos,
Japão, Europa e Inglaterra - evidentemente altera os preços de todas
as moedas. As dos países emissores perdem valor em relação as dos
outros países. E não há como lutar contra um tsunami.
O Brasil também se beneficia de fenômenos virtuosos. De um lado, a
melhora dos termos de troca, que inverte a situação em que o país se
encontrava nos anos 1980. Atualmente, o que exportamos tem preço
maior, e o que importamos caiu de preço. De outro lado, as reformas,
mudanças, avanços do Brasil nas duas últimas décadas ajudaram o país a
se tornar uma economia olhada com atenção por investidores dos mais
variados setores, seja no mercado de ações, de investimento direto,
nas áreas de serviço, indústria e agronegócio. Por fim, num mundo de
juros zero, os nossos, mesmo cadentes e com IOF, tornam as aplicações
lastreadas por títulos públicos uma boa oportunidade.
A primeira conclusão que se pode chegar é que o real continuará se
valorizado por muitos e muitos anos. Sua desvalorização tem menos a
ver com as ações dos formuladores de política econômica no Brasil e
mais com a conjuntura internacional. Quando há momentos agudos de
incerteza o dólar sobe e a moeda brasileira perde valor, como
aconteceu no fim do ano passado por causa do agravamento da crise
europeia.
A segunda conclusão é que o arsenal usado pelo Ministério da Fazenda
não terá efeito sólido. A Fazenda quer desvalorizar a moeda brasileira
e proteger a indústria da competição internacional. Por isso, toma
medidas como: aumento do IOF sobre capital estrangeiro, redução de
impostos de alguns setores industriais, elevação da alíquota contra
produtos importados. A gigantesca renúncia fiscal, que o "Estadão"
calculou em quase R$ 100 bilhões desde 2007, ou as medidas de proteção
e benefício de setores escolhidos não têm tido o resultado desejado e
têm criado numerosas distorções.
Seriam defensáveis se fossem medidas de curto prazo para atender
emergências enquanto se pensa em mudanças mais estruturais, reformas
mais permanentes. Mas o governo pensa apenas no imediato e não
constrói o longo prazo. Como o país não está em crise, o mercado
interno continua forte, o mercado de trabalho oferece emprego e o
crédito se expande, a economia vai levando.
Os economistas Marcelo de Paiva Abreu, da PUC-Rio, e Armando Castelar,
da FGV, sustentam que o diagnóstico do governo está errado. A
indústria não está encolhendo, mas apenas crescendo relativamente
menos do que outros setores. Marcelo lembra que a comparação que o
governo gosta de fazer é com a indústria, como percentual do PIB, dos
anos 1980. Naquela época, o Brasil era fechado, importava apenas 3% do
PIB, ao contrário dos atuais 11%, tinha reserva de mercado e um
arsenal protecionista fora de propósito.
Hoje, lembra Castelar, o governo começa a recriar aquela lógica
através de concessões feitas aos setores que vão pedir socorro. É
muito mais fácil, diz ele, pegar um avião e ir a Brasília pedir
benefícios e barreiras contra o competidor do que se esforçar para
aumentar sua competitividade.
Marcelo pondera que o governo tem adotado medidas contrárias às normas
internacionais de comércio que se comprometeu a seguir na Organização
Mundial do Comércio (OMC). O que é permitido, explica o professor, é
elevação da tarifa de importação até o limite estabelecido na OMC. Mas
é proibido pelas regras do comércio internacional elevar as alíquotas
de impostos internos para produtos importados e não cobrá-los dos
produzidos internamente. O Brasil pode, portanto, subir o imposto de
importação, mas não pode cobrar IPI diferenciado.
Mas é o que o governo voltará a fazer nos próximos dias no seu pacote
de benefício: escolher setores, criar impostos que só incidem sobre o
produto importado, reduzir impostos para os que pegaram avião e foram
a Brasília pedir ajuda.
Tudo o que precisa ser feito para elevar os fatores estruturais de
competitividade tem sido adiado. São políticas de efeito demorado, mas
em algum momento precisamos começar a adotar essas medidas que
permitirão ao país continuar o seu processo de modernização iniciado
após a estabilização.
O governo tem sido cada vez mais protecionista, alerta Marcelo de
Paiva Abreu, e está recriando um modelo que já nos trouxe muitos
prejuízos e atrasos. É preciso repensar a política econômica, antes
que os "instintos animais" do empresariado, que a presidente Dilma diz
estar invocando, repitam o que sempre fizeram com seus dentes afiados:
morder parcelas cada vez mais carnudas do dinheiro público. Foi isso
que transformou o Brasil no país fechado, inflacionado, com renda
concentrada que a democracia herdou do governo militar.