Política
As políticas do BC e nossas convicções ALBERTO GOLDMAN
O ESTADÃO - 29/10/11
Alguns analistas insistem em destacar pretensas semelhanças entre as políticas do Banco Central (BC) nos períodos Lula e FHC, consideradas neoliberais. Acusam setores do PSDB - chamam "de esquerda" - que, por criticarem as altas taxas de juros praticadas pelo BC, estariam apoiando um pretenso "programa da atual coalizão governista" que vem promovendo a redução dessas taxas.
Ora, a política implantada por FHC não teve nada de neoliberal. Ao contrário, expressa a tentativa (bem-sucedida) de dar parâmetros de funcionamento ao mercado financeiro interno, que vinha em ebulição a partir do rompimento da âncora cambial, e viabilizar as contas externas, em face das crises asiática e russa. Três foram, então, os instrumentos concatenados. O primeiro foi o fiscal, para dar solidez à percepção sobre a capacidade do Estado de honrar seus compromissos. O segundo foi o cambial, com a flutuação via mercado e intervenções ocasionais do BC, para mitigar a formação de posições especulativas, danosas às contas externas brasileiras. O terceiro, a grande inovação, foi o regime de metas de inflação, que tinha como objetivo balizar as expectativas dos agentes econômicos no sentido da convergência para as indicações do BC de que se utilizaria da taxa Selic como ferramenta principal, mas não exclusiva, de correção de rumos.
No período Meirelles os instrumentos foram os mesmos, mas as diretrizes e a execução, diferentes. Em 2003, o BC conduziu o regime de metas de inflação da forma mais ortodoxa possível. Explicitou ao mercado que a meta seria cumprida a qualquer custo, fosse qual fosse a redução do produto. Por isso, a taxa de juros foi manipulada para níveis inimagináveis numa situação de ausência de crise no front externo. O PIB brasileiro avançou apenas 1,15% e a indústria de transformação caiu 0,2%, enquanto o mundo crescia, mas a inflação, medida pelo IPCA, se manteve em 9,3%. Enquanto isso os lucros do setor financeiro aumentavam. Nem em 2004 a inflação chegou próxima da meta - foi 7,6% -, caindo apenas com a enorme valorização do real em 2005 e 2006. O resultado na inflação foi pífio, mas a demolição do emprego e do produto foi profunda.
Essas não foram as únicas diferenças entre as políticas econômicas de FHC e Lula. O BC de Lula simplesmente não viu a farra dos derivativos no período pré-crise internacional, assim como nunca conseguiu atuar contra a enorme valorização do real, calcada no diferencial entre as elevadíssimas taxas de juros praticadas no mercado doméstico ante as baixíssimas taxas vigentes no mundo. Mas foi na crise mundial de 2008 que o BC de Lula mostrou o quanto não tinha compromissos com a produção e o emprego. Enquanto o mundo reduzia suas taxas de juros a zero, o nosso BC aumentava o seu diferencial ante o resto do mundo.
Outras diferenças foram marcantes. As reformas estruturais no governo FHC foram levadas adiante. Nessa área Lula nada fez e Dilma nada faz. Eu mesmo, que já tinha iniciado, como ministro dos Transportes do governo Itamar, as concessões de rodovias federais e participado como membro, relator e presidente das comissões que, na era FHC, deram os pareceres sobre as reformas nas áreas de infraestrutura, pude aquilatar a inação nos dois últimos governos, quando não o desmonte do que havia sido feito. Só agora o BC começa a promover uma baixa da taxa de juros e a enfrentar o desafio de trazer o setor privado, ainda de forma lenta, envergonhada e incompetente, para construir a infraestrutura do País. É pouco, mas pode significar uma mudança de rota.
Afinal, o que fazer diante do recrudescimento da inflação? O aumento da taxa de juros? Só porque a Dilma pretende baixá-la devemos renegar tudo o que sempre defendemos?
Claro, existem riscos, principalmente porque o governo atual não tem a coragem de enfrentar a questão fiscal, o que é necessário para o sucesso das ações do BC. Mas estamos muito longe de apoiar o "programa da atual coalizão governista". Até porque ele não existe.
Alberto Goldman:Engenheiro pela USP, vice-presidente nacional do PSDB, foi deputado, secretário de estado, ministro dos transportes e governador de São Paulo
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