por Luiz Carlos Azenha
Sete e meia da manhã. Saguão de um hotel em Vitória, no Espírito Santo. TV sintonizada na Band News. O apresentador destaca uma das manchetes: um promotor entrou com ação na Justiça para suspender o aumento no Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) aprovado pela Câmara Municipal de São Paulo.
O promotor fala. Só ele. O texto destaca o aumento “de até 80%” no IPTU de prédios comerciais paulistanos. Aumento “do prefeito Haddad”. O fato de que isso é até 2016 fica perdido no meio do caminho. Assim como todas as outras nuances: os isentos, o desconto para aposentados, a situação fiscal da cidade, etc. etc.
Dias antes, conversando com o vereador petista Nabil Bonduki por telefone, ele havia afirmado: a mídia, notadamente emissoras de rádio e TV — nesta, especialmente programas popularescos como um vespertino da TV Bandeirantes — “inflou” o sentimento popular, de tal forma que mesmo os que não pagam IPTU — ou os que pagam muito pouco — ficaram, na palavra do vereador, “enfurecidos”.
Ao menos no papel, os isentos deveriam ser beneficiários de uma política de arrecadação voltada para produzir investimento público às custas dos impostos recolhidos de quem pode pagar, certo?
Nas contas do vereador Bonduki, no entanto, muitos não só não reconheceram isso, como passaram a reproduzir o discurso midiático de condenação generalizada a um imposto progressivo!
“Encontraram uma forma de desgastar politicamente o Haddad”, diz Bonduki. É uma novela que vai se arrastar pelo menos até a chegada dos carnês do IPTU aos domicílios paulistanos, no início do ano que vem.
Urbanista e professor universitário, Bonduki tem entre seus eleitores gente de classe média, da esquerda mas não apenas. Recebeu dezenas de mensagens enfurecidas. “Você me traiu, achei que pensava com a própria cabeça”, dizia uma delas, de um eleitor que lamentou o fato de Bonduki ter adotado a defesa do projeto de seu partido, o PT.
O vereador reconhece o impacto “mais forte” do aumento em alguns bairros do centro expandido de São Paulo. Esteve com moradores de Alto de Pinheiros, por exemplo. Um deles, aposentado, que mora com mulher e filha numa casa de 550 metros quadrados, num terreno de 700 metros quadrados, passará a pagar R$ 17 mil por ano. Serão 10 parcelas de R$ 1.700 mensais de IPTU — hoje paga R$ 1.400.
Se o próprio Nabil reconhece que muitos de seus eleitores ficaram “enfurecidos”, o que faltou a mídia enfatizar sobre o aumento do IPTU, junto com a notícia mais importante, que é a do aumento em si?
Oferecemos a Nabil a oportunidade de listar:
– O IPTU é o único imposto sobre o qual a Prefeitura tem governabilidade e que independe do crescimento econômico. O Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), o Imposto Sobre Serviços (ISS) e o Imposto Sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) não são regidos pelo município. Fora disso existiriam o pedágio urbano e a taxa do lixo, que tanta polêmica causou no governo de Marta Suplicy.
– O prefeito é obrigado por lei a atualizar o IPTU. O aumento médio da renda no período coberto pela atualização mais recente ficou entre 16% e 17%. O aumento nominal ficou, em média, um pouco acima, em 24%.
– Não é verdade que o governo federal tenha “abandonado” São Paulo. O dinheiro do Tesouro vem marcado especificamente para fazer corredores de ônibus, habitação e drenagem. A Prefeitura precisa de dinheiro para cumprir metas básicas, muitas das quais estiveram no foco das manifestações populares na cidade, a partir de junho: a construção de dois hospitais e 180 creches, por exemplo.
– A renegociação da dívida paulistana foi bem sucedida, mas para mantê-la consumindo, ainda, cerca de 13% de toda a receita. Outros 3% são destinados ao resgate compulsório de títulos precatórios. Acrescente-se a isso o fato de que São Paulo tem um grande número de funcionários públicos em época de aposentadoria. A folha de inativos cresce cerca de 15% ao ano. O subsídio ao transporte vai aumentar, já que para todos os efeitos está em vigor o congelamento de tarifas. A impressão de que o município nada em dinheiro, segundo Bonduki, é falsa.
– O IPTU é cobrado sobre o valor venal do imóvel, que convencionou-se representar 60% do valor de mercado. O aumento da faixa de imóveis isentos, de 90 para 160 mil reais, deixa cerca de 33% dos imóveis domiciliares, quase 1,1 milhão, livres do IPTU. Outros 500 mil não estão cadastrados, 400 mil em favelas. Como Haddad reduziu em 0,1% a alíquota em todas as faixas, outros 250 mil terão redução no IPTU. Esta parcela se concentra, obviamente, nos bairros mais pobres, que serão os principais beneficiários das obras pretendidas. Ele não disse, mas é uma forma de distribuição de renda na veia.
– A Câmara melhorou o projeto de Haddad. Além de reduzir o aumento proposto pela Prefeitura, isentou os aposentados que ganham até 3 salários mínimos mensais, deu desconto de 50% para os que recebem entre 3 e 4 salários mínimos mensais; e desconto de 30% para os que ganham entre 4 e 5 salários mínimos mensais. Os aposentados são os mais vulneráveis a uma valorização imobiliária refletida num imposto, valorização que não é acompanhada por aumento de renda.
– O fato de que 60% dos paulistanos hoje são proprietários de imóveis — e de que muitos inquilinos arcam com o IPTU do imóvel alugado — contribuiu com o impacto geral da medida, além, é lógico, da grande valorização imobiliária, fruto do “mercado especulativo” nos últimos 4 anos.
Nabil Bonduki nem de longe descarta as reclamações gerais, sejam de pessoas que votaram nele ou não. Pelo contrário. Ele acha que a especulação imobiliária refletida no aumento do IPTU pode tornar o imposto “fator de expulsão da população de baixa renda” de algumas áreas da cidade, uma gentrificação no estilo da que vimos e vemos em várias metrópoles do mundo.
O vereador reconhece que o impacto do aumento será maior naquelas famílias cuja renda não acompanhou a valorização imobiliária. Por isso, acha importante criar uma nova referência para futuros aumentos — a próxima lei será votada em 2017. Diz que a cidade precisa debater isso com profundidade, o que requer que seja informada devidamente sobre todos os ângulos da questão, todos os fatores acima citados e muitos outros.
Até agora o que se viu, no entanto, foi “uma campanha da imprensa muito pesada”, diz o vereador. Campanha, destacamos.
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PS do Viomundo: A assessoria do vereador esclareceu detalhes sobre o caso citado, de Alto de Pinheiros, razão pela qual o texto original foi alterado.
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