Augusto Nunes-SETE DIAS
Política

Augusto Nunes-SETE DIAS



Guerra Fria recomeça na Bahia

Augusto Nunes
Jornal do Brasil - 21/12/2008


Nenhum país sabe perder uma guerra como a Bolívia: com os muitos milhares de mortos, vai-se também um pedaço do território nacional. Perdeu o trecho de litoral para o Chile em 1879, o Acre para o Brasil no começo do século passado e a região do Chaco para o Paraguai em 1935. Depois dos três confrontos, ficou com apenas 1 milhão dos 2,5 milhões de km² que tinha ao tornar-se independente da Espanha em 1825. É demais, parece achar o presidente Evo Morales. Inconformado com a vitória na Batalha da Petrobrás, que deixou a Bolívia do mesmo tamanho, ele agora anda sonhando com uma derrota tremenda para os Estados Unidos.

À caça de saídas para as enrascadas em que George Bush meteu os americanos, Barack Obama soube do perigo ao Sul na sessão de encerramento da Cúpula da América Latina e do Caribe (Calc), que agitou por três dias a Costa do Sauípe. Ou o novo presidente marca logo a data em que será suspenso o embargo econômico a Cuba, propôs Morales, ou os embaixadores dos 32 países que integram a Calc são retirados de Washington. "É um ato de rebeldia", explicou. Para sorte de Obama, Lula estava lá.

"Eu sou mais cuidadoso", apartou a briga o anfitrião. É preciso dar tempo ao colega às voltas com as guerras no Iraque e no Afeganistão, bateu no cravo. Mas não muito, deu na ferradura: "A região não pode esperar que um belo dia seja chamada para conversar com o Obama". É bom que o alvo do ultimato se apresse. A Bolívia não está só.

Morales é apenas o mais belicoso passageiro da viagem de volta à Guerra Fria que acaba de fazer uma barulhenta escala no litoral baiano. Começou na montagem da lista de participantes da festa do clube dos cucarachas. Além dos EUA, ficaram fora o Canadá, a Espanha e Portugal. O cubano Raúl Castro foi o convidado de honra.

"Pela primeira vez em 200 anos, todos os países da região estão juntos", entusiasmou-se Lula. Os caribenhos entraram mudos e saíram calados. Os presidentes do Peru e da Colômbia tinham mais o que fazer e mandaram representantes. Sobrou tempo para as apresentações individuais e coletivas dos chefes de governo da América bolivariana.

Só faltou Fidel Castro para que ficasse completo o elenco da comédia de época encenada à beira do Atlântico. Se a má saúde não o obrigasse a trocar o uniforme de comandante pela farda da Adidas, e promover o irmão Raúl a ditador interino, Fidel retribuiria com um discurso de sete horas as homenagens prestadas a Cuba. Coube ao caçula receber a carteirinha de sócio de uma espécie de OEA do B prometida para 2010 e a autorização para manter a democracia na cova. Cada país escolhe livremente o sistema de governo, diz o documento assinado por toda a turma. Os cubanos, por exemplo, escolheram a ditadura.

Fidel gostou de saber que Lula e os companheiros responsabilizaram o imperialismo ianque pela crise econômica e por todos os problemas passados, presentes ou futuros. Mas o abuso vai acabar, informou o venezuelano Hugo Chávez. "O capitalismo, que é o diabo, está morto", matou dois satãs de uma vez. "O que está mais vivo que nunca é o socialismo revolucionário".

Obama conseguiu uma trégua. Os fuzileiros navais americanos só se livrarão da insônia quando Morales garantir que não terão de enfrentar a Marinha boliviana no Lago Titicaca.

A abulia dos que sustentam a gastança

Fora a diminuta bancada dos que não perderam a vergonha de vez, o Congresso acha muito bem-vinda a Proposta de Emenda Constitucional (podem chamar pela nome de guerra de PEC que ela atende) que aumenta dos atuais 51.924 para 59.267 o número de vereadores em ação no Brasil. A diferença é que os senadores resolveram praticar na sala cheia de crianças o mesmo pecado que os deputados preferem cometer no quarto – não por decoro, mas por malandragem. Só por isso não foi aprovada já na madrugada de quinta-feira a criação de mais 7.343 vagas nas câmaras de vereadores. Serão 7.343 cabos eleitorais em 2010.

O pretexto para a devolução da PEC ao Senado foi a supressão do trecho que proibia o aumento da verba repassada à Câmara pela prefeitura. Como a redução de salários é inconstitucional, a engorda da folha de pagamentos deve ser a bancada pelo corte de outras despesas. Nesse caso, os vereadores andam desperdiçando dinheiro. Se pensassem no país em crise, os parlamentares deveriam exigir a diminuição na gastança e engavetar a PEC ultrajante.

Brasileiro só sai da abulia quando soldados e voluntários roubam flagelados. Não são piores que pais da pátria que surfam na marolinha sob a mansidão do rebanho que paga a conta.

Um tricampeão e o anão da Bahia

O colunista pede perdão aos leitores por dois erros publicados na seção Coisas da Política de quarta-feira passada. O grande Nelson Piquet venceu três vezes (e não duas) o campeonato da F1 (1981, 83 e 87). E o pequeno João Alves, um dos anões do Orçamento, não nasceu em Pernambuco. "A Bahia não se renderá jamais a um engano tão expressivo", diz a mensagem bem-humorada de um amigo. "Vimos requerer uma correção: o deputado João Alves é baiano, sim, de nascimento e de política. A Bahia não merece um esquecimento desse tamanho".

Os culpados exigem mais que o perdão

Antes da roubalheira do mensalão, figurões com culpa no cartório guardavam alguma discrição até que o processo desse em nada. Instaurada a Era da Impunidade, descobriram que já podiam aparecer em público sem virarem alvos de vaias e palavrões. Agora já não basta o direito de ir e vir em paz enquanto esperam o perdão. Exigem também homenagens que sirvam de consolo para os arranhões na imagem. O deputado federal Antonio Palocci, por exemplo, ganhou a presidência da Comissão da Reforma Tributária da Câmara para livrar-se da depressão que o afligiu quando teve de trocar o ministério pelo banco dos réus.

Na semana passada, Palocci foi dispensado de perder de novo a alegria de viver. Como o Supremo Tribunal Federal resolveu adiar o julgamento do processo sobre o estupro da conta bancária do caseiro Francenildo Costa, só no ano que vem o ex-ministro será absolvido "por falta de provas". Depois de contar que Palocci vivia aparecendo na casa suspeitíssima que jurara nem conhecer, Francenildo perdeu o emprego e a chance de encontrar trabalho. Poderia perder até a liberdade se julgado pelo STF, sob a acusação de violar o próprio sigilo só para deixar o ministro mal no retrato. Ainda bem que o caseiro não tem direito a foro especial.




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