...mas nos grandes aeroportos os aviões pousam com pouca ou nenhuma interferência do piloto. É tudo automático. Dois acidentes recentes estão pondo em dúvida a segurança total desses sistemas
Paula Neiva e Laura Ming
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Se os avanços tecnológicos na cabine de comando dos aviões não tivessem sido tão espetaculares nas últimas décadas, a aviação teria se tornado inviável. Sem os computadores de bordo e o piloto automático, seria impossível que 50 000 voos ocorressem por dia apenas nos Estados Unidos, ou que um grande aeroporto, como o JFK, em Nova York, fosse palco de oitenta pousos e decolagens por hora. Andar de avião seria uma experiência mais arriscada. Desde os anos 60, o número de acidentes fatais a cada milhão de decolagens caiu de 35 para 0,5, e boa parte desse avanço se deu porque a automação permite maior precisão no controle das aeronaves. Apesar de tamanha evolução, um aspecto do avanço da tecnologia aérea permanece controverso. Na hora do pouso, o momento mais crítico de um voo, no qual acontece metade dos acidentes, é mais seguro confiar os procedimentos ao piloto automático ou ao piloto de carne e osso?
Dois desastres aéreos ocorridos num intervalo de menos de quinze dias, no mês passado, reacenderam esse debate. O primeiro se deu em Buffalo, no estado de Nova York. Um bimotor de uma companhia subsidiária da Continental Airlines, com 49 pessoas a bordo, caiu sobre uma casa. O segundo aconteceu próximo ao Aeroporto Schiphol, em Amsterdã. Um Boeing 737 da Turkish Airlines, com 127 passageiros, caiu e se partiu em três pedaços. Ambos os aparelhos estavam a um minuto de pousar – e ambos eram controlados pelo piloto automático.
Fotos Robin Van Lonkhuijsen/Reuters e Dave Sherman/AP |
A um minuto da pista Desastres com o Boeing da Turkish Airlines, na Holanda (no alto), e com o bimotor da Continental, em Buffalo: os computadores tornam os voos mais seguros, mas eles também erram |
A aterrissagem com piloto automático é feita em combinação com o sistema de pouso por instrumentos, o ILS. Este é composto de antenas localizadas na pista que se comunicam com os equipamentos de bordo e indicam ao piloto automático a posição exata do avião em relação à pista de pouso. Os procedimentos de aproximação da pista feitos com piloto automático são extremamente precisos, mas as máquinas, como os humanos, são passíveis de erro. Situações de risco podem surgir quando o piloto confia demasiadamente no computador. No caso do avião turco que caiu em Amsterdã, o piloto automático foi traído por um erro do altímetro, o aparelho que informa a que altitude a aeronave se encontra. No momento do acidente, o avião voava a 700 metros do solo, mas o altímetro, defeituoso, indicava que ele estava a poucos metros do chão. O piloto automático interpretou que a aeronave estava prestes a tocar o solo e desacelerou as turbinas, provocando a queda. "Existe o risco de que a tripulação não detecte a tempo um erro do piloto automático e demore demais para assumir o controle do avião", disse a VEJA Michael Barr, professor de sistemas de gerenciamento de segurança de aviação da Universidade do Sul da Califórnia, nos Estados Unidos.
A automação das aeronaves intensificou-se a partir do fim da década de 80, provocando mudanças na forma de comandá-las. A função principal do piloto e do copiloto deixou de ser manter a estabilidade da aeronave e pousá-la. Passou a ser o gerenciamento das informações dos computadores. Diz o comandante Miguel Dau, vice-presidente operacional da nova companhia aérea Azul e piloto de aviões comerciais há 22 anos: "As mudanças nas atribuições do piloto refletem-se na maneira como a seleção de novos profissionais é feita. As habilidades mais valorizadas são gerenciais e tecnológicas, e não mais as psicomotoras". Com todas as vantagens que oferece, o piloto automático não é uma panaceia que garante pousos perfeitos em qualquer situação. O bimotor que caiu em Buffalo deveria estar com o piloto automático desligado – essa é a orientação do National Transportation Safety Board (NTSB), órgão que recomenda as normas de segurança aérea nos Estados Unidos, para voos em que há acúmulo de gelo nas asas e no leme da aeronave. Segundo as normas do NTSB, no pouso manual o piloto pode perceber alterações perigosas no comportamento do avião mais rapidamente do que o piloto automático.