Brasil global ILAN GOLDFAJN
Política

Brasil global ILAN GOLDFAJN


O GLOBO 


A visão global ou a relativa, eis a questão. A global ainda recomenda cautela em todos os cantos do mundo. A relativa vê no diferencial do Brasil uma saída melhor no pós-crise. O cenário para a frente depende das duas forças. Em particular, o montante de fluxos de capital para o país depende da atratividade relativa do Brasil versus a escassez global de crédito, fruto da crise. O bolo ficou menor, mas será que a fatia de fluxos de capital para o Brasil pode aumentar? Os últimos dados fornecem uma pista. O total de fluxos de capital no mundo caiu 54% no primeiro trimestre de 2009 (em relação ao mesmo período no ano passado), segundo dados preliminares da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio em Desenvolvimento (UNCTAD). Ao mesmo tempo, o investimento direto no Brasil já acumula US$ 11,2 bilhões até maio e, em 12 meses, atingiu US$ 42,3 bilhões.


Como proporção do PIB, o investimento direto alcançou 3,08% do PIB, o nível mais alto desde fevereiro de 2003. A participação dos fluxos para o Brasil no total dos investimentos no mundo subiu para 2,4%, no primeiro trimestre de 2009 (de 1,9%, em 2007). A fatia do bolo para o Brasil de fato está ficando maior.


Mas o interessante é que o aumento dos fluxos não é a despeito do movimento global. É reforçado por ele.


Para entender esse ponto, é essencial avaliar como o mundo irá estruturarse após a crise, quais serão as pressões globais e qual o papel que o Brasil poderá desempenhar nessa nova estrutura.


O papel dos emergentes torna-se fundamental com a provável retração do consumidor americano (em função da queda da riqueza, crédito e renda, e das dívidas elevadas) que vai reduzir a demanda por bens em todo o mundo. No resto do mundo, isto significa menos exportações, diminuição nos superávits comerciais e queda do dólar frente às outras moedas. Significa, também, uma pressão por maior consumo nos demais países: o mundo estará à procura do consumidor de última instância.


Mas a quem caberá o papel de exportar menos e consumir mais? A China é um candidato natural, mas a redução da poupança por lá será lenta e condicionada às reformas. Economias com maior potencial de crescimento do mercado interno (consumo) e baixo risco tenderão a receber mais capitais e, suas moedas, à apreciar em relação ao dólar.


Nessa busca global pelo consumidor de última instância, o Brasil é candidato natural a ser receptor maior de capitais. Haverá pressão para apreciação da sua moeda (vs o dólar) e aumento do déficit externo. Esse cenário é reforçado na medida em que o Brasil passou bem pela crise financeira internacional, um verdadeiro teste de estresse para as economias.


As reservas internacionais se revelaram de bom tamanho, a intervenção foi bem-sucedida, e não surgiram reavaliações sobre o tamanho da dívida externa (como na Rússia).


O sistema financeiro mostrou-se sólido.


Finalmente, após anos de consolidação do arcabouço macroeconômico, houve espaço para uma política monetária anticíclica no combate à crise. O Brasil tem dificuldades para elevar sua poupança, mas tem consumo, projetos de investimento e, mais recentemente, um ambiente de menor risco para financiadores externos.


Nesse sentido, um aumento de fluxos de capitais para o Brasil é consistente com um cenário global em que se busca a contraparte da melhora no déficit externo americano (quem vai reduzir seu superávit ou aumentar o seu déficit para compensar?) e da queda do dólar (quem vai apreciar?).


Em suma, a visão de que o Brasil poderá obter ganhos relativos no pós-crise não é incompatível com um cenário global mais desafiador. Um aumento dos fluxos de capital para emergentes como o Brasil é o que se espera num mundo em busca do consumidor final de última instância. A consequência é uma pressão para apreciação cambial do real e, como resultado do maior crescimento relativo e da apreciação, pressão para gerar déficits externos maiores. A pergunta é se estamos prontos — intelectualmente e economicamente — para lidar com esse possível cenário.




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