O trimestre de abril a junho deste ano foi bom para a economia brasileira. A recuperação do produto interno bruto (PIB) deve ter alcançado um crescimento entre 1,5% e 2% em relação ao trimestre anterior. Se "anualizarmos" (ou seja, assumirmos a mesma taxa de crescimento para os próximos trimestres), a economia brasileira cresceria a uma taxa de 6% a 8%. Mas será que faz sentido pensar nesse ritmo de crescimento para a frente? (Por exemplo, anualizado, o PIB do último trimestre do ano passado teve queda de 15%, impensável para o ano todo). O que justifica essa recuperação no Brasil? O que podemos esperar? Há, certamente, fatores transitórios importantes para esse crescimento mais forte no segundo trimestre. Em primeiro lugar, alguns fatores técnicos. A queda forte, no final do ano passado, normalmente comanda alguma recuperação na sequência. Por exemplo, a reação da indústria na crise, reduzindo estoques no primeiro trimestre, induziu a um crescimento da produção acima das vendas no segundo trimestre até recompor os estoques. Além disso, apesar da queda do PIB na média no primeiro trimestre, a atividade mensal já mostrava crescimento a partir de janeiro. Logo, houve uma herança positiva do crescimento do primeiro trimestre para o segundo trimestre (chamado carry over). Em segundo lugar, a extensão da redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para veículos aumentou as vendas no trimestre. Uma parte dessas vendas certamente é antecipação de gastos futuros dos consumidores. Finalmente - e talvez o mais importante -, as economias emergentes estão liderando a retomada. A China, sob considerável impulso fiscal e monetário, está investindo mais e alavancando o crescimento - seu e da região. O Brasil tem-se beneficiado da retomada de atividade na China, assim como de sua política de recomposição de estoques de commodities. O País retomou as exportações de produtos básicos e semimanufaturados. Acreditamos que haverá espaço para o Brasil crescer relativamente mais do que o resto do mundo. O mundo está em busca do que denominamos consumidor final de última instância. O Brasil é candidato natural a ser receptor maior de capitais e investimentos, nessa busca global pelo consumidor de última instância. Esse cenário é reforçado na medida em que o Brasil passou bem pela crise financeira internacional, um verdadeiro teste de estresse para as economias. O País tem dificuldades para elevar sua poupança, mas tem consumo, projetos de investimento e, mais recentemente, um ambiente de menor risco para financiadores externos. Esperamos uma desaceleração da taxa de crescimento nos próximos trimestres para a faixa de 1% por trimestre (anualizado para 4% ao ano, uma taxa sustentável para a frente). A razão é global e local.
Globalmente, esperamos a continuação da recuperação, mas num ritmo mais moderado. Como temos argumentado neste espaço, o crescimento no mundo, especialmente depois de esgotados os impulsos fiscais e monetários, deverá ser menos intenso do que nos últimos anos, por uma combinação de fatores: a queda da riqueza financeira no mundo, a dificuldade na volta do crédito bancário nos países maduros, a recomposição da poupança nos EUA e a incerta transformação da China numa economia de consumo. A atual retomada parece vigorosa em razão do alívio advindo do fim da recessão, mas o desafio do crescimento sustentado permanece. Isso deve diminuir o impulso externo à economia brasileira. O mesmo se deve esperar dos impulsos locais. Os estoques estão perto do desejado, logo, o crescimento da produção deverá evoluir de acordo com a demanda. E o efeito do IPI não deve mais gerar os estímulos anteriores. Na verdade, a antecipação de consumo por causa da redução temporária do imposto pode afetar negativamente tanto as vendas no varejo quanto a produção industrial. Em julho, o impacto desse efeito nas vendas no varejo já pode ser negativo e a sua contribuição para a produção industrial deve diminuir. O desempenho das vendas no segundo semestre não é claro. A expectativa é que o efeito líquido dos impactos seja um crescimento gradual do consumo. Por um lado, devemos observar um impacto negativo nas vendas devido à continuidade da desaceleração do crescimento da massa salarial (emprego e salário têm subido bem mais devagar), em função dos efeitos defasados da queda da atividade econômica sobre a renda. Por outro, os estímulos monetários, de crédito e de transferências fiscais favorecem as vendas no varejo, estimulam a confiança do consumidor e amenizam os efeitos negativos da desaceleração da massa de rendimentos. Em particular, pode ocorrer uma mudança na composição do crescimento das vendas no comércio: aumento das vendas que dependam de crédito e diminuição das vendas associadas exclusivamente à renda. O investimento deve reagir à queda do juro real e à diminuição da incerteza, mas a elevada capacidade ociosa mundial em alguns setores evita uma retomada mais rápida desse componente da demanda.
Em resumo, a economia brasileira teve um bom desempenho nos últimos meses, após passar satisfatoriamente pelo verdadeiro teste de estresse gerado pela crise financeira internacional. A economia brasileira deve ter um crescimento superior ao do resto do mundo, em função da renovada confiança dos investidores internacionais e do seu papel no mundo (um mercado consumidor disponível). Mas o ritmo de crescimento deve arrefecer nos próximos meses, consistente com fatores locais (esgotamento de IPI, massa salarial crescendo menos e estoques recuperados) e com uma economia global que sofreu uma crise secular, cujas consequências negativas ainda não são inteiramente claras. |