Brasil no mundo Miriam Leitão
Política

Brasil no mundo Miriam Leitão


Os especialistas em política externa acham que a mudança climática é uma ameaça muito maior do que o protecionismo dos países ricos. É a conclusão de uma pesquisa feita pelo cientista político Amaury de Souza para o Cebri. Há várias diferenças de percepção entre esses especialistas e a diplomacia brasileira. E uma concordância: o Brasil terá cada vez mais importância no mundo

O Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri) comemorou dez anos com um seminário no Itamaraty do Rio de Janeiro, onde é impossível não evocar o peso das tradições da diplomacia brasileira.

— No mundo, várias mudanças estão ocorrendo ao mesmo tempo. Temos que escolher em que tabuleiros vamos jogar. Não temos que ter medo de jogar em tabuleiros novos — disse o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso no seminário.

Neste clima de mudança e tradição, o país procura seu caminho.

Numa entrevista que me concedeu, o chanceler Celso Amorim analisou alguns desses desafios. Ele acredita que ainda será possível encerrar com sucesso a Rodada Doha, através de contatos que estão ocorrendo neste momento entre os ministros dos países mais decisivos.

Essa é uma das críticas que se faz à política externa brasileira: pôr ênfase quase exclusiva em Doha e abandonar os esforços para os acordos bilaterais. Celso Amorim responde à crítica dizendo que o Brasil tem uma dimensão muito maior do que o Chile, país que fez muitos acordos bilaterais.

Amaury de Souza pesquisou em dois momentos — em 2001 e em 2008 — a opinião e a percepção do que ele chama de “comunidade de política externa”.

São pessoas que participam do processo decisório ou formam opinião no Brasil sobre o tema. Nove em cada dez entrevistados acham que o Brasil terá um papel cada vez mais importante no mundo.

“A Argentina (95%), os Estados Unidos (94%) e a China (92%) são unanimemente reconhecidos como países nos quais o Brasil tem um interesse vital”, diz a pesquisa. O trabalho também aponta as ameaças aos interesses vitais para o Brasil, que são, pela ordem: o aquecimento global (66%), o tráfico de drogas (64%) e o protecionismo do mundo rico (50%). No começo da década, 75% achavam que era o protecionismo e só 44% achavam que era o aquecimento global. Aumentou a preocupação com o aparecimento de governos ditatoriais na América Latina. Caiu a preocupação com o poder dos Estados Unidos e a desigualdade econômica. “A percepção das ameaças deslocou-se da esfera da economia internacional para a do meio ambiente, segurança nacional e política”, mostra a pesquisa.

Uma das mesas do seminário do Cebri debateu a questão do aquecimento global com o historiador Boris Fausto e os embaixadores Luiz Felipe Lampreia e Sebastião do Rego Barros. Os três concordaram que este é um tema emergente. Os dois diplomatas acham que é hora de começar a atualizar a posição tradicional brasileira sobre mudança climática. A idéia tradicional de que “o que houve no passado não se deve ao Brasil”, como definiu Rego Barros, tem que levar em consideração “que o Brasil agora está na lista dos dez países que mais emitem gases do efeito estufa”. Fernando Henrique acha que o Brasil precisa dar um passo adiante.

— O Brasil não pode se comportar como se tivesse medo de assumir posições de liderança na questão ambiental em nome de uma solidariedade que não existe em relação a outros países — disse o ex-presidente, referindo-se à posição do Brasil de, junto com a China e a Índia, recusar assumir metas para reduzir emissão.

O ministro Celso Amorim discordou de quem discorda da insistência do Itamaraty por uma cadeira no Conselho de Segurança da ONU. Na pesquisa, esse item foi considerado extremamente importante por apenas 18% dos entrevistados e 42% acham que não tem nenhuma importância.

Garantir a democracia na América Latina foi considerado importante pelo maior número de entrevistados, 74%. Em 2001 eram 67%.

— A política externa joga vários jogos ao mesmo tempo.

Seria estranho se nós não nos candidatássemos a uma cadeira no contexto da reformulação do conselho — disse Amorim.

O Cebri, presidido por José Botafogo Gonçalves, se propõe a fazer uma interpretação brasileira das questões internacionais. E a convicção agora é que o mundo está em transição.

Fernando Henrique enumerou as mudanças: — A unificação dos mercados, a produção extravasando fronteiras e se organizando em redes, a transformação da China, a emergência de uma nova Rússia, a presença maior do Brasil.

Tudo isso cria novos desafios para o país. Celso Amorim disse que, se fosse citar duas prioridades, diria a Rodada Doha e a integração da América do Sul. A segunda é considerada extremamente importante por 70% dos entrevistados pela pesquisa.

Pedi a Celso Amorim que me concedesse a entrevista no velho Itamaraty e na sala do Barão do Rio Branco. O belo palácio foi construído pelo Barão de Itamaraty.

Vem daí o nome do Ministério.

Na sala onde Rio Branco trabalhou e morreu, um enorme quadro de Pedro Américo ocupa uma parede inteira. Ele começou a pintálo em homenagem à Princesa Isabel. Mas aí veio a República e ele mudou o tema, passou a ser homenagem à liberdade. Rio Branco foi pintado no meio do povo. Curiosa alegoria de um tempo que também foi de mudanças. Talvez a história do quadro ensine à política externa que é preciso se adaptar às rupturas e estar junto do país



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