Quem examina no gráfico em zoom o comportamento dos preços de algumas commodities, pode concluir equivocadamente que é forte a recuperação do sistema produtivo global. E, no entanto, para (quase) todos os efeitos, a economia mundial avança em marcha lenta.
Ainda ontem, Ben Bernanke, presidente do Fed (o banco central americano), avisou que a recuperação econômica dos Estados Unidos está frágil. Tão frágil que ainda vai levar algum tempo para começar a elevar os juros básicos que hoje estão em torno de zero por cento ao ano.
Desta vez, apenas os emergentes mostram dinâmica diferente dessa. A economia da China, por exemplo, vai crescendo a 10% ao ano; a da Índia, quase 8%; a da Indonésia, 6%; a da Coreia do Sul, 5%; e a do Brasil, perto dos 6%. Não fosse essa pujança, o mundo da alta renda estaria mais prostrado do que está.
Mesmo contando com apenas uma turbina, o Boeing global já está exigindo suprimentos de matérias-primas em volume tal que provoca saltos nas cotações. Em um ano os preços do minério de ferro subiram entre 90% e 100%; os do petróleo, 35%; os do cobre, 80% (veja tabela). Se a pressão sobre os preços é essa em tempo de recessão, imagine o que poderá ser quando as economias dos Estados Unidos e da Europa voltarem a bombar.
Ainda se ouvem interpretações estapafúrdias sobre o que está acontecendo. Como já foi dito nesta Coluna, as primeiras reações falavam em especulação com minério de ferro, hipótese descabida quando se trata de matéria-prima que não possui características de commodity, não é negociada diariamente nas bolsas de mercadorias. Logo em seguida, espocaram manifestações por parte de empresas consumidoras do produto, que denunciavam o cartel das mineradoras.
Não dá para negar a existência de uma forte concentração da oferta do minério, mas esse não é fator explicativo para o que está acontecendo, até porque o oligopólio existe há anos e nunca aconteceu salto de 100% nos preços. O fato novo é a forte participação da China e da Índia na produção de aço. Atiram-se com fome de leão sobre o mercado de matérias-primas.
Para o Brasil e os fornecedores tradicionais de produtos primários, essa é uma notícia que chega com o que oferece de bom e, também, com alta dose de desafios. No entanto, a pergunta que tem de ser respondida é se o mundo aguenta o atual ritmo de crescimento dos emergentes. Para o biólogo americano Edward Wilson, para que a população da China usufrua padrões ocidentais de consumo, serão necessários pelo menos quatro planetas Terra para garantir o suprimento de matérias-primas. Afirmações desse tipo têm sido feitas e em seguida contestadas desde 1798, quando foram divulgadas as obras do economista inglês Thomas Malthus. Mas não dá para negar a força lógica dessa afirmação.
Pode-se imaginar os efeitos políticos a serem produzidos na corrida pelo controle dos suprimentos de matérias-primas. Mas, bem antes disso, a pressão sobre os preços desses produtos tenderá a elevar os custos e a provocar inflação.
Os primeiros cálculos são de que o aumento dos preços do aço em consequência da alta do minério de ferro produzirá um terço da inflação brasileira.
Confira
Irresponsabilidade
Ontem, o presidente do Fed (o banco central dos Estados Unidos), Ben Bernanke, declarou que ficou "profundamente irritado" com a irresponsabilidade das operações da AIG, a maior seguradora do mundo, na origem da crise financeira.
Sem supervisão
Bernanke queixou-se também de que um grande número de instituições não-bancárias opera como banco sem nenhuma supervisão. O estranho é que só agora o Fed tenha percebido que o mercado financeiro estava solto demais.