A crise sacramentou o princípio de que instituição financeira capaz de produzir risco sistêmico (quebra em cadeia) não pode quebrar (too big to fail). Sob pena de criar pandemônio global, como o deflagrado pela quebra do Lehman Brothers, tem de ser socorrida pelas autoridades, seja pelo banco central, seja pelo Tesouro do país.
Essa regra, mantida sigilosamente no âmbito do Grupo dos Sete (G-7) desde a crise de 2001, foi reconhecida em documento assinado na reunião do Grupo dos 20 (G-20) em março deste ano. Paradoxalmente, os fatos produziram um segundo princípio, antagônico ao anterior: grande demais para ser socorrido (too big to be bailed out).
A globalização tornou alguns bancos tão grandes, às vezes maiores do que a economia dos seus países, que as instituições locais ficaram incapacitadas de resgatá-los. Nesta crise, isso aconteceu com os bancos da Islândia e ficaram visíveis com os da Suíça. Este é um assunto grave que vem sendo objeto de análise do BIS, o Bank for International Settlements, que funciona como banco central dos bancos centrais.
Na Islândia, três bancos - o Kaupthing, o Glitnir e o Landsbanki - haviam intensificado empréstimos para administrações municipais da Alemanha, Inglaterra e Holanda. E afundaram durante a crise. Em escala global não são bancos grandes. Juntos não reuniam ativos de mais de US$ 60 bilhões. No entanto, seu resgate foi superior à capacidade fiscal da Islândia, cujo PIB não ultrapassa US$ 20 bilhões.
O caso da Suíça envolveu o União de Bancos Suíços (UBS) e o Credit Suisse, que praticamente quebraram e tiveram de ser capitalizados. As gestões das autoridades resolveram o problema com injeções de US$ 60 bilhões e com encolhimento dos bancos. O UBS, por exemplo, teve de revender o Pactual, no Brasil. Mas, se fossem precisos US$ 300 bilhões, o Tesouro suíço teria dificuldades de obter todos esses recursos.
Não por acaso, a Islândia passou a pleitear ingresso na União Europeia, cujo guarda-chuva lhe seria mais confortável nessa e em semelhantes situações. E a Suíça, tão ciosa de sua neutralidade, começou a discutir internamente a necessidade de aderir à União Europeia e à sua moeda única, o euro.
Desta vez, o impasse não aconteceu. Mas é tal a velocidade da globalização e do crescimento dos bancos que a questão não pode ser desconsiderada. Ela aponta para três consequências. A primeira é a de que os organismos de supervisão têm de monitorar os bancos sob sua tutela onde quer que operem e não apenas dentro de suas fronteiras nacionais.
Desde 1995, com a quebra do banco inglês Barings, sabemos que a atuação desastrada de um único gerente de agência que opere num ponto remoto do Planeta pode quebrar um grande banco. E já se viu que os Estados Unidos se opõem à criação de organismos supranacionais de controle e supervisão bancária.
Em segundo lugar, as instituições encarregadas de dar assistência aos bancos em caso de insolvência precisam ter munição suficiente para enfrentar riscos de quebras patrimoniais de centenas de bilhões de dólares.
Em terceiro, a partir do que (quase) aconteceu na Islândia e na Suíça, a integração econômica (e política) entre Estados nacionais deve se intensificar como consequência da expansão do sistema financeiro. E isso, por sua vez, parece reforçar a tendência à unificação monetária (poucas moedas globais).
Confira:
Não cola - A política de aumento das reservas pode ser correta. Mas os argumentos usados pelo Banco Central para justificá-la não colam.
A justificativa é a de que é preciso melhorar a resistência da economia a dois riscos: ao risco de agravamento da crise global e ao risco eleitoral.
Por mais que se possa sobrevir uma recaída, ela não prejudicaria a economia mais do que prejudicou nos 12 últimos meses. Além disso, o risco eleitoral, se houver, tende a fazer menos estragos do que o da própria crise que, no entanto, não precisou de mais de US$ 205 bilhões para defender a economia.