O Estado de S. Paulo - 05/07/2011
Há uma boa dose de hipocrisia na nova relação entre as autoridades da União Europeia e os bancos.
Por determinação do presidente da França, Nicolas Sarkozy, e da chanceler da Alemanha, Angela Merkel, os bancos estão sendo obrigados a rolar "voluntariamente" cerca de 70% dos títulos da dívida grega que mantêm em carteira, contentando-se em receber menos em troca. O argumento é o de que o credor privado tem de assumir a sua parte no resgate da Grécia e, eventualmente, de outras economias enfartadas.
Os bancos têm de observar uma rigorosa relação entre capital próprio e empréstimos para que se mantenham saudáveis se um cliente importante ou um conjunto deles deixar de honrar seus pagamentos. Ou seja, têm de observar os tais critérios de Basileia nas suas operações ativas no mercado.
No entanto, as novas determinações feitas aos bancos caracterizam uma política de critério duplo. De um lado, as autoridades nacionais exigem que eles preservem seu patrimônio e se escorem nas melhores técnicas de administração de risco. Em outras palavras, exigem que os bancos não assumam ativos podres. Também impõem que os bancos acusem imediatamente em seus balanços eventuais perdas, façam provisões, cubram devedores duvidosos e se capitalizem para que estejam em condições de enfrentar com segurança problemas com eventuais calotes e tal. E, por outro lado - como está acontecendo agora -, exigem que os bancos assumam como bons títulos ou já fortemente tóxicos ou, então, com grande probabilidade de se tornarem tóxicos em futuro próximo (non-performing loans), como é o caso da dívida da Grécia.
A Standard & Poor"s, uma das mais importantes agências de classificação de risco, já avisou que a proposta de reduzir o pagamento da dívida soberana da Grécia equivalerá a um "default seletivo", portanto, a um certo calote.
É claro que nessa rolagem da atual posição em dívida grega, os bancos serão desobrigados de dar a esses ativos tratamento de créditos de segunda ou terceira classe. Se assim procedessem, não só estariam admitindo previamente alguma proporção de calote - o que seria um desastre para toda a operação de salvamento soberano -, mas também teriam de reforçar seu capital.
Até agora, nas suas operações com instituições financeiras, os bancos centrais nacionais e o Banco Central Europeu vêm aceitando títulos da Grécia (e de outros integrantes da sigla Pigs) como se tivessem a mesma qualidade de um título da Alemanha. E a partir do momento em que algum default fosse oficialmente reconhecido, os bancos centrais não poderiam mais trabalhar com a mesma qualificação.
Mas que sentido haverá em exigir a observância dos critérios de Basileia, se as próprias autoridades obrigam os bancos a engolir títulos podres ou próximos de apodrecerem? E que sentido terão os tais testes de estresse, destinados a aferir a saúde dos bancos, se as mesmas autoridades que os aplicam entendem como saudáveis títulos que hoje têm uma boa probabilidade de não o ser?
Enfim, o novo mundo em que vivemos não está apenas passando por grandes transformações financeiras. Vai mudando, inclusive, a maneira como as autoridades soberanas vêm administrando suas relações com os bancos.
CONFIRA
Não para de cair. Mesmo num dia meio morno, como o de ontem (feriado nacional nos Estados Unidos), os preços do dólar voltaram a escorregar. É a mais baixa cotação de fechamento desde 18 de janeiro de 1999.
Precisa mesmo?
Por que o empresário Abilio Diniz não vem a público para avisar que não precisa de tanto dinheiro do
BNDES e que, para atender às suas necessidades da operação de fusão entre o Pão de Açúcar e o Carrefour, pode se abastecer de crédito com outros bancos ou com tantos outros fundos de equity que existem por aí?