O ESTADO DE S PAULO
O real é a moeda emergente que mais se valorizou este ano, nada menos que 21,9% até ontem.
Já deu o que tinha de dar? Que nada, a tendência é seguir cada vez mais forte. Ontem, um dos maiores bancos de investimento do mundo, o Merrill Lynch, avisou seus clientes que o real tem fôlego para ganhar mais uns 7% diante do dólar até o final deste ano. Quer dizer, nessa previsão, o dólar ainda vai para a faixa de R$ 1,70.
O mais importante aí não é a capacidade de previsão (ou de acerto) do Merrill Lynch. O mais importante é o alargamento da percepção global de que o real tem a força, o que por si só é fator adicional de valorização, pois atrai dólares para o Brasil e estimula a aplicação de recursos em ativos denominados em reais.
Uma excessiva valorização do real é, em princípio, prejudicial ao setor produtivo do Brasil, na medida em que tira competitividade: o dólar mais barato em reais estimula importações e, ao mesmo tempo, desencoraja exportações.
O problema não só está em saber a partir de que ponto começa a excessiva valorização do real. Está, também, em ter noção do tamanho da falta de competitividade estrutural da empresa brasileira que independe do câmbio.
Todos sabemos que o custo Brasil é uma enormidade. O setor produtivo enfrenta uma pesada carga tributária, encargos trabalhistas que estão entre os mais altos do mundo, uma infraestrutura emperrada por vícios de todo tipo, burocracia, um setor público notoriamente corrupto, uma mão de obra de baixa qualificação que impõe despesas com treinamento mais altas do que as pagas pelo produtor em outros países... e por aí vai.
Até recentemente, o governo brasileiro compensava com mais câmbio essas ineficiências estruturais do setor produtivo. Agora, essa compensação não é mais possível, porque os tempos são outros e a política econômica evoluiu. Mas os problemas de base persistem.
Esta coluna sempre advertiu contra as propostas de desvalorização artificial do real. Para puxar a cotação do dólar, muita gente pediu a derrubada dos juros, mais agressividade do Banco Central na compra de dólares e controle do fluxo de capitais especulativos. Só neste ano, os juros caíram 5 pontos porcentuais ao ano e, no entanto, não há reação no câmbio.
Quanto mais reservas o Banco Central ostenta, mais dólares desembarcam por aqui. E para controlar o fluxo de capitais especulativos é preciso que antes de mais nada haja fluxo de capitais especulativos, o que as estatísticas não conseguem confirmar.
A maior parte da valorização recente do real não tem nada a ver com o diagnóstico dos que reivindicam essas providências. Tem a ver com a melhora dos fundamentos da economia brasileira. Mas falta o outro pedaço.
É preciso, sim, evitar a valorização excessiva do real. Mas não com providências artificiais. A primeira tarefa a executar é a derrubada do custo Brasil, o que exige desburocratização, investimento em infraestrutura e as reformas: tributária, trabalhista (e sindical), reforma da Previdência... Mas o governo Lula não está nem um pouco interessado nas reformas e, agora que se aproxima a safra eleitoral, engavetará qualquer iniciativa nesse sentido.
Confira:
Lá vai o real - Entre as moedas dos países emergentes, a moeda brasileira foi a que mais se valorizou, em 2009 (até ontem), diante do dólar americano. Se o governo Lula não fizer nenhuma grande besteira na política econômica, a tendência seguirá sendo de alta.