Crise e excessos Ilan Goldfajn
Política

Crise e excessos Ilan Goldfajn




Artigo -
O Globo
16/9/2008

Diz a máxima que, "quando se está vendo a luz no fim do túnel, é melhor certificar-se de que não é um trem na direção contrária". Pois é, a despeito de todo o esforço - diversos estímulos de liquidez, monetários e fiscais -, a crise financeira internacional avança desde julho do ano passado. Esta semana, um dos maiores bancos americanos, o Lehman Brothers, declarou falência e outro, o Merrill Lynch, teve que ser vendido. Na semana passada, Fannie Mae e Freddie Mac, duas grandes agências de financiamento hipotecário, foram resgatadas pelo governo americano. Este ano já tivemos o resgate do Bear Stearns. Alguns comparam a crise atual com a de 1930. Pode ser ainda exagero. Mas o período é certamente excepcional no sistema financeiro internacional. Quais são as lições da crise?

Ainda está cedo para reflexões completas sobre as lições da crise. Faltou serenidade e limites em várias dimensões nos últimos anos. Os investidores minimizaram o risco das suas aplicações; as agências de classificação corroboraram a idéia de que havia pouco com que se preocupar; os bancos estimularam os excessos vendendo ativos ruins em novas embalagem e veículos; os reguladores deixaram esses novos veículos não fazerem parte do balanço dos bancos (e, portanto, requereram menos capital do que o desejado); e os bancos centrais estimularam os excessos com juros baixos por tempo prolongado.

No caso dos EUA (e na Europa também), as lições desta crise servirão para evitar uma próxima, pelo menos nos moldes da atual. Os reguladores deveriam atuar de forma contracíclica, exigindo mais prudência (leia-se capital, provisionamento etc.) nos momentos de bonança. E nem pensar em deixar veículos de investimento fora dos balanços e da exigência de capital. As agências de classificação poderiam ter menos relevância para a decisão de crédito e avaliação de risco por parte dos bancos. Os bancos centrais também atuariam na contramão dos excessos, elevando os juros quando surgirem o que parecem ser bolhas, ou seja, excessos nos mercados de ativos. Os bancos, por sua vez, deveriam reforçar suas áreas de risco, de alguma forma tornando-as menos suscetíveis a pressões das áreas de investimentos e negócios e os seus modelos menos permeáveis a percepções otimistas quanto aos preços futuros (no auge da euforia, os modelos assumiam riscos de quedas menores).

Enfim, todos os envolvidos têm que colocar limites de velocidade automáticos para funcionarem no próximo ciclo de prosperidade e otimismo.

No Brasil, o momento deveria ser de reflexão. Qual é o melhor curso de ação?

A lição verdadeira é despender esforços para identificar e atuar sobre os excessos que ocorrem nos momentos de bonança. Nesse sentido, podemos dizer que, se há excessos na economia brasileira, eles deveriam ser hoje combatidos de forma a manter a economia crescendo de forma sustentada e evitar problemas futuros.

Em uma dimensão, essa lição já vem sendo adotada. O Banco Central do Brasil (BC) já faz vários meses identificou no contexto atual um crescimento da demanda (consumo, gastos do governo, investimento) que vai além da capacidade de suprimento da economia, o que coloca riscos inflacionários no sistema. Para combater esse excesso na economia, o BC tem subido os juros de forma a promover uma desaceleração na economia (ainda não aparente). Em outras dimensões os excessos ainda correm soltos. Os gastos do governo crescem a taxas que não são sustentáveis e que não serão facilmente reversíveis em momentos de dificuldade, em especial as contratações e os aumentos salariais concedidos ao funcionalismo. Outros exemplos existem. O crédito no Brasil cresceu 30% nos últimos 12 meses.

Em suma, a crise financeira internacional ainda não encontrou seu fim. As lições da crise mostram que é imperioso atuar nos momentos de bonança. É necessário questionar se está se fazendo o suficiente para combater os excessos atuais. No Brasil, como foi no exterior, os custos dos excessos só poderão ser medidos e julgados quando o ciclo mudar, certamente não quando a economia cresce 6% e a popularidade está em alta.

ILAN GOLDFAJN é professor da PUC-Rio. E-mail: [email protected].




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