Desde o princípio dos tempos existem políticos ou candidatos a políticos que fazem questão de demonstrar o seu desapego pela actividade política. Fazem, desde modo, uma exaltação da apolítica ou da não-política, fórmula encontrada para que lhes atribuam algum distanciamento de uma classe pouco afamada junto da opinião pública. Este tipo de comportamento reflecte-se em diversos tipos de posturas, mas existem duas que são clássicas: 1) fazendo crer que a actividade política não resulta de uma vontade do próprio, mas sim de uma espécie de dever para com o país, um duro sacrifício a que se submetem em nome dos seus compatriotas; 2) colocando-se acima da política, acima dos partidos, acima da esquerda ou da direita, afirmando-se para além de tudo disso, o que quer que tal signifique.
Curiosamente, e cada um à sua maneira, dois dos actuais candidatos à Presidência da República têm alguma tendência para recorrer às posturas apolíticas. No caso de Cavaco Silva, desde a famosa história da rodagem do seu novo Citroen BX ao Congresso do PSD na Figueira da Foz em 1985 que é conhecida a sua crónica atitude de distanciamento relativamente à actividade política. No fundo, parece que nunca foi Cavaco que quis assumir cargos. Foram sempre os outros que lhe pediram que assim o fizesse. E mesmo depois de ter sido 10 anos primeiro-ministro e 5 anos Presidente da República, continua sem se considerar um político.
O caso de Fernando Nobre é naturalmente diferente. O médico e presidente da AMI fez questão de se assumir desde o ínicio como não-político, como não ligado aos partidos políticos e, de forma ainda mais arrojada, acima de qualquer divisão esquerda-direita. Era espectável que a sua candidatura procurasse manter uma postura de independência. No entanto, no meio de tanta negação, os eleitores podem, deste modo, ficar sem saber muito bem o que pensa e o que defende Fernando Nobre. Guiar-se-á apenas pelo seu bom senso, será? Espera portanto que votem no seu bom senso?
Como é evidente, as posturas acima não acontecem por acaso. A actividade política e seus protagonistas são desde sempre encarados com desconfiança por grande parte da opinião pública. E tal não é um exclusivo português, mas sim uma tendência consolidada em todo o mundo ocidental. A política é uma actividade que, também devido à elevadissima exposição mediática a que é sujeita, transpira vícios, faltas de honestidade e verticalidade, ambições desmedidas, entre outros traços pouco abonatórios. O político parte por isso para a negação da sua condição na tentativa de ganhar alguma credibilidade extra. Tenta apresentar-se como um cidadão comum, sem os tais vícios que são atribuídos aos seus correlegionários.
O problema é que tal distanciamento artificial do mundo político acarreta reversos da medalha há muito conhecidos. Por exemplo, o político que sublinha que a sua função é uma espécie de sacrifício pessoal que faz em nome do povo e do país habilita-se a que tirem sérias ilações sobre a sua falta de frontalidade ou mesmo honestidade. Por seu turno, a fuga permanente aos rótulos de esquerda ou direita também pode não o engrandecer. É que, com todos os defeitos que possuem, tais dimensões são traços que asseguram alguma coerência ideológica ao actor político. Dotam a sua acção de alguma previsibilidade, fazendo que com que a mesma não dependa apenas de coisas tão relativas como o bom senso ou o estado de espírito. Em suma, a política pode não ser a mais nobre das actividades, mas entrar ou permanecer nela negando-a acaba por reflectir traços pouco abonatórios.
.Artigo publicado terça-feira no Açoriano Oriental
(Imagem: Horta do Zorate)
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