A poucos dias da avaliação da troika, eis que surgiu do nada o velho tema da privatização da RTP. É um daqueles temas que a direita ressuscita de tempos a tempos, com certeza por contas más resolvidas no passado. Mas é no debate que em seu torno se gera que maiores vicissitudes conseguem ser encontradas. Neste sentido, como acaba por acontecer de cada vez que se discute a privatização de uma determinada empresa pública, lado a lado com o argumento do fardo que a mesma representa para o erário público, surgem sempre inúmeros exemplos de má gestão.
Ora se falam nas regalias despropositadas dos trabalhadores da dita empresa, ora das mordomias dos seus administradores, ora dos contratos e compromissos ruinosos em que a mesma se encontra envolvida. Ou seja, rapidamente se tenta passar para a opinião pública que a privatização é a melhor forma de por termo ao regabofe que tomou conta da empresa em questão. Com a privatização, os contribuintes ver-se-ão assim livres de contribuir para uma montanha de privilégios e más práticas que ultrajam qualquer português honesto. E embora sendo relativamente evidente a demagogia barata que envolve este tipo de mensagem, acaba por não ser fácil conter as percepções que daí decorrem na opinião pública.
Rapidamente se esquece que as forças políticas que agora acusam tais empresas de má gestão são as mesmas que (adivinhem!?) geriram estas mesmas empresas nos últimos anos. Ou seja, um dos mais batidos paradoxos democráticos continua à vista de todos: o mesmo centrão que defende que o Estado gasta mal, que desperdiça o dinheiro de todos e que é um fardo para a economia é o mesmo centrão que governa esse mesmo Estado.
Mas é nestes momentos em que a demagogia sobre o aparelho público atinge o seu apogeu que a esquerda também tem de ser capaz de reconhecer que pode e deve ser muito mais exigente nestes domínios Na sua ânsia de salvaguardar o setor público das críticas de má gestão que normalmente antecedem a sua diminuição ou privatização, a esquerda acaba por não denunciar como devia as más práticas que por todo o lado sucedem. Consegue mesmo, com esta sua atitude, a terrível proeza de beneficiar as administrações e os governantes que trouxeram o setor público ao estado que todos conhecemos.
A esquerda tem de ser a primeira a apontar as mordomias dos administradores, os contratos ruinosos, os maus investimentos e até algumas regalias desmesuradas dos trabalhadores. Não só porque lhe é moralmente exigido, mas também porque apenas assim conseguirá ter a sua posição fortalecida nestes momentos de ataque cerrado ao setor público.
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