Política
Da marola ao tsunami LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS
A cortina de fumaça não paralisou o BC, que tomou medidas para lidar com a liquidez dos bancos menores
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A CRISE financeira mundial chegou ao Brasil com todo o seu impacto destrutivo. Em setembro, os primeiros ventos dessa tempestade já podiam ser sentidos no âmbito mais restrito do mercado financeiro. A volatilidade dos ativos brasileiros, negociados aqui e no exterior, começou a aumentar de forma desordenada. Mas esses sentimentos não chegavam ao lado real da economia, que vivia ainda as doces brisas de um longo verão de crescimento.
A posição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ajudou muito para preservar esse entusiasmo. Qualificando a crise financeira como uma questão dos países do Primeiro Mundo, ele reforçava a impressão de que as dificuldades enfrentadas eram coisa de ricos. Mas essa cortina de fumaça rósea desapareceu agora em outubro.
Primeiro, a questão pontual das empresas que especularam com o real tornou-se um problema bancário sério. Depois, a consolidação do cenário de recessão global trouxe a crise financeira às economias emergentes. Com a velocidade e a força de um tsunami, foram atingidos nos últimos dias os papéis da dívida externa (privada e pública) de vários países, trazendo de volta os fantasmas das crises asiática em 1997 e da Rússia/Brasil em 1998.
A flutuação irracional dos preços tem causado prejuízos imensos em todos os segmentos do mercado financeiro. Em razão desse estado de coisas, os bancos brasileiros reduziram de forma agressiva a concessão de crédito. Os números deste mês mostram claramente um fenômeno de descontinuidade no mercado de crédito, no momento em que a atividade produtiva da economia e a febre de consumo de milhões de brasileiros atingiam seu ponto mais alto.
Os ventos externos -agora gelados e fortes- chocaram-se com o ar quente do otimismo de todos. Podem estar certos os leitores da Folha que o impacto sobre as empresas e os consumidores vai ser muito duro e duradouro.
Felizmente para todos nós, a cortina de fumaça não paralisou o Banco Central. Enquanto o ministro da Fazenda seguia o tortuoso e perigoso caminho de negar os problemas reais, o Banco Central agiu.
Tomou medidas agressivas para lidar com a questão da liquidez dos bancos de médio porte, reduzindo o compulsório e criando incentivos para a venda de carteiras de crédito dos bancos em dificuldades. Disponibilizou dólares de sua reserva para destravar as operações de financiamento ao comércio exterior. Injetou liquidez nos mercados de câmbio, agindo nos mercados "spot" e de derivativos.
Por fim, criou mecanismos legais no caso de ser necessária uma infusão de capital nas instituições com problemas de solvência. Apesar da grita contra uma possível estatização de prejuízos, não existe no momento uma alternativa para evitar a quebra de bancos e o aprofundamento da crise. Enfrentamos hoje os mesmos resmungos ouvidos nos Estados Unidos e na Europa há poucos meses. Sugiro a leitura da revista inglesa "The Economist" desta semana para que se possa digerir com menos dificuldades a medida provisória nº 443, assinada na terça-feira.
Aqui, como no exterior, vamos ter de usar o Estado para evitar o mal maior de uma recessão profunda. O que a sociedade deve exigir é que esse movimento, se necessário, seja feito com transparência e fiscalização externa. Como nos Estados Unidos, o Congresso Nacional deve criar uma comissão para acompanhar a utilização desse mecanismo extraordinário.
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