Folha ENTREVISTA HENRIQUE MEIRELLES
Política

Folha ENTREVISTA HENRIQUE MEIRELLES


Brasil está forte, mas deve passar por acomodação

Presidente do BC diz que intervenções no câmbio e na liquidez dos bancos podem voltar a ocorrer e defende que relação dívida/PIB siga trajetória cadente

SÉRGIO MALBERGIER
EDITOR DE DINHEIRO
VALDO CRUZ
EM SÃO PAULO

Na pior semana até aqui na crise financeira dos EUA, o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, comandou duas intervenções no mercado brasileiro: injetou liquidez para socorrer bancos médios e vendeu dólares para conter a alta da moeda americana.
Ele diz que as intervenções não têm ligação com a política monetária, foram "adequadas", e podem voltar a ocorrer. "Não devemos confundir isso [política monetária] com a gestão de liquidez", afirma.
Para Meirelles, o ponto mais fraco do país, neste momento, é a falta de liquidez causada pela brutal contração do mercado de crédito global.
Mas repete seu mantra de que o Brasil está muito mais forte para enfrentar a crise externa. Admite, porém, que a economia do país passará por processo de "acomodação da atividade", eufemismo para prever um crescimento menor em 2009.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista, concedida por telefone, na sexta-feira.

FOLHA - Nesta semana, o BC injetou reais na economia com a redução dos depósitos compulsórios e voltou a vender US$ 500 milhões. A crise chegou com mais força?
HENRIQUE MEIRELLES
- A crise financeira, pela primeira vez nos anos recentes centrada nos Estados Unidos e não nos mercados emergentes, é de fato severa. E tem tido repercussão sobre a disponibilidade de crédito e as condições de liquidez em diversas economias. O Brasil, por estar inserido nas correntes financeiras internacionais, não está totalmente isolado desse desenvolvimento. Entretanto, cabe notar que, com as políticas adotadas nos últimos anos, com o aumento das reservas internacionais e a eliminação da dívida interna dolarizada, foi reduzida substancialmente a nossa vulnerabilidade a esses períodos de estresse.

FOLHA - E as perdas registradas por empresas como Sadia e Aracruz? Há risco de um contágio maior no Brasil, no setor exportador?
MEIRELLES
- Os episódios me parecem pontuais. Essas empresas perderam em razão de estarem em posição de derivativos que geravam prejuízos com a depreciação do real. No entanto, de uma forma geral, os exportadores tendem a ser beneficiados com a queda do real.

FOLHA - Outras empresas não podem estar na mesma situação?
MEIRELLES
- Algumas empresas podem ter posições em derivativos que geram prejuízos pontuais e específicos, mas não significa uma tendência.

FOLHA - Qual a maior preocupação do BC: a inflação, a taxa de câmbio ou a solidez do sistema bancário?
MEIRELLES
- O Banco Central tem como missão fundamental manter a inflação consistente com a trajetória de metas e manter a solidez do sistema financeiro nacional. Ambas são prioridades.

FOLHA - Qual está mais ameaçada?
MEIRELLES
- A solidez do sistema financeiro brasileiro não está ameaçada por uma restrição de liquidez. Ela existe em razão dos fundamentos do sistema, que está bem capitalizado. As perdas de crédito, de acordo com os indicadores, não mostram avanços significativos, portanto é uma situação completamente diferente da dos EUA, em que existem prejuízos substanciais no sistema. O que existe é uma restrição de liquidez no Brasil, como no mundo todo, em razão da crise do sistema bancário americano, uma redução da liquidez das linhas externas em dólares. E o Banco Central está tomando medidas para fazer com que as condições de liquidez voltem à normalidade, seja em dólares ou em reais. Quanto à inflação, o Banco Central tem como meta trazê-la para 4,5% em 2009.

FOLHA - As últimas medidas do BC indicam mudança na avaliação do cenário econômico capaz de alterar o ritmo da política monetária?
MEIRELLES
- Existe uma evolução na condução da política monetária, cambial e de gestão de liquidez no mundo de maneira a diferenciar os diversos instrumentos e suas finalidades. Política monetária visa controlar a inflação com seu instrumento fundamental que é a taxa de juros base. Não devemos confundir isso com a gestão de liquidez.

FOLHA - Mas a crise no Brasil atingiu bancos pequenos, por exemplo. As medidas adotadas são suficientes para que eles voltem a captar recursos no mercado a custo razoável?
MEIRELLES
- Nós tomamos medidas de liquidez em dólares em razão da restrição da oferta de linhas de crédito em dólares.
E em reais em virtude de ser o real a contrapartida dessas operações em dólares. Dentro da nossa avaliação, as medidas são adequadas, mas estaremos sempre monitorando os mercados e preparados para tomar qualquer medida para manter o bom funcionamento.

FOLHA - O sr. acha que o país vai crescer menos em 2009?
MEIRELLES
- É natural que, num contexto de desaceleração do crescimento mundial, a economia brasileira passe também por alguma acomodação da atividade. No entanto, temos que apontar que as políticas da redução da vulnerabilidade a choques externos têm tido êxito. Em outras palavras, embora pouco sincronizado, nosso ciclo não é totalmente independente do das economias maduras. Isso não significa que devemos esperar uma interrupção da expansão da economia em função dos eventos externos.

FOLHA - Mas uma redução de ritmo é esperada?
MEIRELLES
- Uma acomodação é natural.

FOLHA - Isso ajuda o Banco Central no combate à inflação? MEIRELLES - Na reunião do Copom levamos em conta uma série de fatores, inclusive esse.

FOLHA - Qual seria o nosso ponto frágil hoje?
MEIRELLES
- Olha, hoje o maior ponto de atenção não só do Brasil como de todos os países são as condições de liquidez do sistema financeiro internacional. Por isso, estamos atentos, tomando medidas necessárias, mas felizmente nossos fundamentos da economia estão sólidos e temos reservas internacionais elevadas.

FOLHA - O que o governo brasileiro pode fazer para contornar as restrições de crédito externo?
MEIRELLES
- Vai depender dos termos desse plano de recuperação de ativos do governo americano. É um pouco prematuro. À medida que esse plano funcione, a retomada do crédito internacional pode ser gradual e acontecer em maior ou menor velocidade. O Brasil está em condições extremamente favoráveis e com isso pode ter conseqüências menores do que outros países, principalmente porque o mercado interno está forte. Agora, evidentemente, ninguém está imune, não se trata de minimizar uma crise internacional que é severa.

FOLHA - O sr. acha que o governo deveria reduzir gastos?
MEIRELLES
- É importante, não há dúvida, que o superávit primário [economia do governo para pagar juros da dívida pública] seja mantido, e as metas sejam cumpridas, de maneira que a relação de dívida pública sobre produto siga cadente.

FOLHA - O sr. esteve em Nova York na semana passada e vem conversando com os presidentes dos principais BCs do mundo. O que o sr. tem ouvido deles?
MEIRELLES
- São avaliações diferentes, dependendo de cada país. Uma das coisas que temos mencionado é que não se faz política monetária por analogia. Cada país está fazendo sua política monetária ou de gestão de liquidez de acordo com suas questões específicas.

FOLHA - Onde essa crise vai parar? Quem falhou?
MEIRELLES
- Hoje, em retrospectiva, vê-se que medidas prudenciais poderiam ter sido adotadas e certamente serão adotadas no futuro visando evitar o grau de endividamento excessivo e de exposição excessivo de instituições financeiras. Não existe instituição financeira invulnerável. Por maior e mais poderosa que seja. Gestões prudenciais são sempre absolutamente necessárias para manter a saúde dessas instituições.
Não há dúvida de que o sistema americano estava desequilibrado e que seria necessário um ajuste. Sua dimensão e severidade não eram previstas.



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