O GLOBO - 30/06
O debate entre os líderes europeus varou a noite. Mas terminou bem, com um acordo que pode levar a mudanças importantes. Ontem, o mercado comemorou, com alta do euro e redução do custo das dívidas dos países, principalmente da Espanha. Não é o fim da crise, mas o começo de um acordo no sentido de aprofundamento da união entre os países da zona do euro. A ameaça de implosão da união monetária está mais distante.
Como tudo na Europa, haverá idas e vindas. A concordância em uma federação de países soberanos, em que todos respeitam as regras de aprovação dos parlamentos para as decisões do executivo, é mesmo demorada. A Europa tem tempos e processos que os outros países não entendem, os mercados detestam, mas que precisam ser respeitados.
Ontem foi dia de vitória, porque ao fim de tantas reuniões em que os principais líderes discordavam sobre tudo a da noite de quinta-feira para sexta-feira foi diferente: eles concordaram. Espanha e Itália, unidos, foram capazes de vencer a irredutível Alemanha.
O Fundo Europeu de Estabilidade Financeira e o Mecanismo Europeu de Estabilidade poderão financiar diretamente a recapitalização dos bancos em dificuldade, sem ter que passar pelos tesouros nacionais. Isso significa que a Espanha, por exemplo, não terá um aumento de dez pontos percentuais na sua dívida bruta, como proporção do PIB. Antes da decisão tomada durante a noite, a Espanha teria que se financiar para capitalizar os bancos. Ontem mesmo houve uma queda forte nos juros cobrados da Espanha, de 7% para 6,35%, para vencimento em 10 anos.
A Irlanda, segundo analistas, é o segundo país mais beneficiado, porque apesar de já ter tido um aumento brutal na sua dívida para capitalizar o sistema financeiro, precisaria de captar mais para um novo resgate. Além disso, poderá rever o que já foi acordado e dar fim às supervisões que a troika - Comissão Europeia, FMI e Banco Central Europeu - faz no país. O governo irlandês comemorou a decisão como uma "virada de jogo". Num cenário mais otimista, a Irlanda será o primeiro dos países resgatados a voltar ao mercado de dívida soberana, no início do ano que vem. A Itália, com sua dívida que, como a da Irlanda, é do tamanho do seu PIB, é outra beneficiada pelas novas regras.
Elas não são de aplicação imediata, nem todas as regras foram definidas. Mas houve o mais importante: concordância na reunião de cúpula. A nota começa dizendo: "Afirmamos que é imperioso romper o círculo vicioso entre bancos e emissores soberanos." E a segunda frase é também promissora: "A comissão apresentará em breve propostas relativas ao mecanismo único de supervisão bancária."
Essa segunda frase se refere ao segundo passo dado durante a reunião da noite. Agora, a Europa começa a dar passos na direção da união bancária, como me disse em entrevista durante a Rio+20 o presidente da Comissão Europeia, José Manuel Durão Barroso. Haverá um órgão de supervisão bancária supranacional, que pode ser o Banco Central Europeu (BCE), que criará regras para a solidez dos bancos de toda a região do euro.
O presidente do Conselho Europeu, Herman van Rompuy, disse que a flexibilização foi permitida para que os fundos europeus de resgate possam comprar dívidas no mercado secundário dos países que cumpram seus compromissos de ajuste e consolidação fiscal. Não entrou em detalhes sobre se os países terão também que cumprir compromissos macroeconômicos.
Outra decisão tomada foi a de aprovar um pacote de 130 bilhões para estimular o crescimento econômico nos países da região. Dada a dimensão da queda em alguns deles, e ao fato de que, como um todo, a zona do euro está em recessão, o pacote é pequeno. Não tem a força necessária para retomar o crescimento, mas ajuda a fortalecer a liderança do presidente da França, François Hollande, que se elegeu com o discurso de lutar por políticas favoráveis ao crescimento.
Tudo é sempre apresentado como uma luta entre a Alemanha e os países de maior fragilidade econômica do bloco. Mas não é simples assim. De acordo com o analista Felipe Queiroz, da Austin Rating, 31% das dívidas dos bancos dos PIIGS (Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha) estão com bancos alemães e 18,5% estão com bancos franceses. Esses números pesaram na discussão durante a noite. Na prática, problemas bancários nesses países significam risco para Alemanha e da França. O problema também respingaria em instituições americanas, que detêm 13% dessa dívida, e sobre bancos ingleses, que carregam 9,7% do total. Tudo isso aumenta a pressão sobre as lideranças europeias.
Nos próximos dez dias há uma série de eventos com capacidade de mexer com os mercados: a troika volta à Grécia no dia 2 de julho; o BCE se reúne no dia 5; os detalhes do plano de resgate dos bancos espanhóis serão divulgados no dia 9. Certamente, muitas dúvidas sobre o acordo anunciado ontem vão aparecer nos próximos dias, mas qualquer volatilidade que houver será melhor do que o clima de desânimo e de falta de saída que estava se consolidando na Europa depois da falta total de entendimento entre os líderes nas reuniões recentes.