Disputa de poder - MERVAL PEREIRA
Política

Disputa de poder - MERVAL PEREIRA



O GLOBO - 09/06


Quando estourou a tentativa de pressão do ex-presidente Lula sobre o ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes, o deputado federal Miro Teixeira comentou: "Imagine se um ex-presidente dos Estados Unidos fosse a um escritório de Wall Street se encontrar com um ministro do Supremo. O mundo cairia."

De fato, é impensável um Jimmy Carter ou Bill Clinton fazendo lobby junto a um ministro da Suprema Corte dos Estados Unidos, mas, nas democracias, que têm no Supremo a última instância da defesa da Constituição, não é incomum uma disputa por influência sobre seus ministros.

Diego Werneck Arguelhes, professor da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas e especialista no Judiciário americano, diz que, "em seus mais de 200 anos de história constitucional, o país foi um verdadeiro laboratório de maneiras pelas quais a política pode pressionar e até disciplinar o Judiciário".

Outro jurista, Luis Roberto Barroso, lembra que, nos Estados Unidos, é comum a Suprema Corte mandar ouvir a opinião do Executivo, mesmo quando não seja parte no processo. "E, no geral, se considerar que a questão é predominantemente política, segue a posição do Executivo."

Barroso, que é professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, lembra que o Executivo interfere, de maneira legítima, na composição do STF, com a indicação dos ministros pelo presidente da República, seguida da aprovação pelo Senado.

"Nos 24 anos de vigência da Constituição de 1988, pode ter havido um ou outro ponto fora da curva, mas a regra geral é a de que prevalece o critério técnico sobre o político nessas indicações", afirma.

Mas Barroso lembra que há diversos tipos de tentativa de influência, sendo que um que é praticado de maneira aberta - "e, portanto, tido como legítimo" - é a visita aos ministros feita por membros do governo quando há interesse especial em determinada questão.

"Exemplos notórios envolvem os planos econômicos, com seus cadáveres no armário", lembra Barroso. Outro exemplo dado por ele: no caso em que se discutia a subsistência do monopólio postal - "penoso anacronismo no mundo da internet" -, o ministro das Comunicações visitou ministros do Supremo para pedir votos em favor da manutenção do privilégio da ECT.

"A verdade é que, para bem e para mal, a nossa cultura admite certa dose de diálogo informal entre os Poderes", analisa Barroso, aceitando que "talvez seja assim em toda parte dos países nos quais a Suprema Corte tenha um papel proeminente."

No Brasil, nos períodos autoritários, houve intervenções arbitrárias, sendo que duas delas ocorreram no regime militar: o Ato Institucional n 2, de 27 de outubro de 1967, aumentou o número de ministros de 11 para 16.

Luis Roberto Barroso assinala que a modificação teve "a clara pretensão de diminuir a independência do Supremo Tribunal Federal e aparelhá-lo com juízes alinhados com a linha ideológica do governo. Ainda assim, em mais de um episódio, o Tribunal deu mostras de altivez contra atos arbitrários do regime".

Em janeiro de 1969, com base no Ato Institucional n 5, foram aposentados compulsoriamente - isto é, cassados - os ministros Vitor Nunes Leal, Hermes Lima e Evandro Lins e Silva. Em protesto, também renunciou ao cargo o então presidente do STF, ministro Gonçalves de Oliveira. Na sequência, o Ato Institucional n 6, de 12 de fevereiro de 1969, reduziu o número de ministros para 11, voltando ao quantitativo que permanece até hoje.

É dentro desse quadro de "disputa de poder" que se deve levar em conta a atitude de Lula, ou dos dirigentes do PT, que deveriam ter mais cuidado com as críticas que fazem ao Supremo Tribunal Federal às vésperas do julgamento.

Se é possível entender-se quase como "natural" a tentativa do Executivo de influir nas decisões da última instância do Judiciário, o mensalão é um caso fora da curva, pois se trata, segundo a definição do procurador-geral da República, Roberto Gurgel, do "mais grave atentado já praticado contra a democracia brasileira".

A tentativa de adiar o julgamento tem como principal objetivo a prescrição das penas, o que tornaria o julgamento uma formalidade inócua, dando aos mensaleiros um resultado equivalente a uma absolvição moral. O que, aliás, não é eficaz em muitos casos, sendo o mais notório o do ex-presidente Collor de Mello, que, mesmo absolvido pelo Supremo por insuficiência de provas, nunca recuperou a credibilidade política, mesmo agora eleito senador.

Ao mesmo tempo, quando o secretário de Comunicação do partido, André Vargas, alega que marcar o julgamento do mensalão próximo à eleição municipal - mesma tese defendida pelo ex-presidente Lula junto a vários ministros do Supremo - é prejudicial ao PT, ele parte do princípio de que os principais réus do PT serão condenados, que o resultado do julgamento será contrário ao seu partido, e que a oposição vai usar isso durante a campanha eleitoral.

Mas, se eles afirmam que o mensalão não existiu, que é uma farsa, foi uma tentativa de golpe contra o governo de Lula, deveriam estar tranquilos com o julgamento.

Ao contrário, o PT teria, na campanha eleitoral, um mote muito forte a seu favor com a proclamação do Supremo Tribunal Federal de que o mensalão de fato foi uma peça de ficção oposicionista.

O que está em jogo, em termos políticos, portanto, não é a data do julgamento, mas o resultado do julgamento. E isso não deve influir no voto de cada um dos 11 ministros do STF.

É bobagem considerar que o PT já está condenado ou absolvido, pois cada ministro, especialmente depois do episódio envolvendo a pressão feita pelo ex-presidente Lula sobre Gilmar Mendes a fim de adiar o julgamento para depois das eleições, terá mais que nunca a obrigação de dar um voto que seja isento de influências políticas, que se sustente nos autos e nas provas conseguidas.

Formidável, no momento, é verificar que, embora os governos petistas tenham nomeado nada menos que oito dos 11 ministros atuais do Supremo, não há um sentimento de que o Tribunal seja tendencioso a favor dos petistas, a começar pelas dúvidas dos próprios.

Mais importante que o resultado será o julgamento ser respeitado pela opinião pública. (Continua amanhã)



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