Dora Kramer Itamaraty, o retorno
Política

Dora Kramer Itamaraty, o retorno


Soa algo simplista a interpretação de que o voto do Brasil no Conselho
de Direitos Humanos da ONU em favor de uma investigação sobre
violações cometidas no Irã seja mera expressão de divergências entre a
presidente Dilma Rousseff e seu antecessor.

As coisas postas assim dão a entender que o governo se mova pela
dinâmica da disputa entre o governo anterior e o atual. O raciocínio
absorve como correta a lógica maniqueísta, muito ao gosto do
ex-presidente Lula, de que as circunstâncias obedecem a regras de
fidelidade ou infidelidade partidária e, sobretudo, ignora a atuação
da diplomacia brasileira até o advento da pirotecnia presidencial em
vigor nos últimos oito anos.


Nesse período, tudo no governo girou em torno da figura de Lula,
inclusive a condução da política externa por um chanceler também
obcecado pela posição de protagonista permanente dos fatos.


O que tivemos com Lula e Celso Amorim é que foi o ponto fora da curva.
O que temos agora, com Dilma e Antonio Patriota, é a retomada de
retórica e atuação mais condizentes com a tradição do Itamaraty: a
tomada de posições externas coerentes com os interesses internos do
País sem brigar com a realidade nem adotar um ativismo em desacordo
com as condições objetivas do Brasil para por vezes defender o
indefensável.


O que se prega lá fora não pode ser diferente do que se pratica aqui
dentro, é a conduta institucional preferida por Dilma e que havia sido
substituída pelo personalismo de Lula.


Se o País subiu de patamar não foi apenas porque se fortaleceu
economicamente, mas porque fez isso em regime democrático, o que
inclui obviamente a defesa do respeito aos direitos do homem. Em todas
as nações sem distinção.


Com os dados à disposição parece precipitado afirmar que a política
externa do País tenha sofrido uma guinada. Por ora o que se vê é uma
mudança nas ênfases e nos procedimentos tendo em vista a retomada de
valores essenciais em regimes de liberdade, a volta, digamos assim, à
normalidade.


É o que está dito no voto na ONU: "O Brasil acredita que todos os
países, sem exceção, têm desafios a serem superados na área de
direitos humanos e espera que os principais copatrocinadores dessa
iniciativa (o envio de um relator especial ao Irã) apliquem os mesmos
padrões a outros possíveis casos de não cooperação com o sistema de
direitos humanos das Nações Unidas".


A ideia não é divergir de Lula, mas restabelecer a coerência que se
espera, quando a oportunidade surgir, se aplique também a aliados
caros ao Brasil. Cuba e Venezuela, por exemplo.


Útil ao agradável. A respeito de supostas divergências entre Lula e
Dilma convém prestar atenção ao seguinte: enquanto ele certamente se
mantém absoluto no que tange ao paladar dos mais pobres e dos
remediados emergentes, ela vai conquistando a classe média dita assim
tradicional, que vê na conduta da presidente um salto de qualidade em
relação ao antecessor.


Na hora de uma disputa eleitoral, Lula e Dilma estarão juntos no mesmo
projeto de poder e será muito útil a ambos a conjunção desses
eleitorados.


Se essa percepção não estiver equivocada, nas próximas eleições a
oposição terá de cortar um dobrado para reunir condições não de
vitória, mas de competitividade.


Carne ou peixe? O prefeito Gilberto Kassab discorda da avaliação aqui
exposta, segundo a qual seu PSD nasce sob a égide da falta de
identidade por se declarar ao mesmo tempo disposto a "ajudar" o
governo e manter a parceria com o PSDB, maior partido de oposição.
Kassab insiste no conceito da "independência" e argumenta que o
partido não tem identidade definida porque ainda está em fase de
formatação. "A partir de agora é que vamos definir o perfil
doutrinário da legenda", diz.


Convenhamos, porém, que a apropriação (indevida, segundo a família
Kubitschek) da sigla JK não tenha sido um primeiro passo que propicie
uma boa imagem.


FONTE: O ESTADO DE S. PAULO




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