Estados Unidos A reação republicana
Política

Estados Unidos A reação republicana


COMO ESTE VULCÃO 
PÔDE ESTAR OCULTO?

Sarah Palin, a vice dos republicanos, pode ter silhueta de 
bonequinha de luxo, mas, no seu primeiro discurso ao país, 
ela mostrou que morde feito um pit bull de batom. A esperança 
de Obama é que isso mais atrapalhe do que ajude McCain


André Petry, de Nova York

Fotos John Gress/Reuters e Mike Segar/Reuters
DE OLHO NA VITÓRIA
Palin, na convenção: ela tem pouca experiência, mas se mostrou disposta a vencer a corrida para a Casa Branca com John McCain (à dir.)


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A aparição de Sarah Palin, 44 anos, foi como uma erupção vulcânica na política americana. Quando seu nome foi anunciado para concorrer à Vice-Presidência ao lado do republicano John McCain, o mundo político ficou perplexo. Sarah quem? Governadora do Alasca há vinte meses, Sarah Palin era desconhecida demais para ter chegado tão longe, mas todo mundo entendeu a inclusão de uma mulher na chapa. A intenção era atrair o voto dos frustrados eleitores de Hillary Clinton, a democrata que perdeu a vaga para Barack Obama. Depois da perplexidade, veio o espanto. Uma onda danada de coscuvilhices informava que seu filho caçula, Trig, menos de 5 meses de idade, seria na verdade filho de sua filha Bristol, de 17 anos e solteira. Os mexericos obrigaram Sarah Palin a divulgar uma informação que provocou espanto: Trig era mesmo seu filho, mas Bristol estava grávida de cinco meses de um jovem de 18 anos. Há 750 000 adolescentes engravidando nos EUA todos os anos, mas, para uma candidata conservadora, que só admite sexo depois do casamento, a gravidez da filha era a pólvora da desmoralização. E assim foi no dia. E no dia seguinte. E no terceiro dia, até que Sarah Heath Palin subiu no palco.

Com seu belo rosto de ex-miss, Palin tem olhar doce, sorriso empático e, apesar de tudo sugerir o contrário, da postura assertiva ao penteado quase comicamente imperioso, sua aparência tem um quê de fragilidade. Unindo esse arsenal de vantagens plásticas com um discurso vigoroso e inventivo, Palin falou por quase quarenta minutos na convenção republicana em Saint Paul, no estado de Minnesota, eletrizou a audiência, arrebatou a platéia e ganhou de virada. No discurso, apresentou-se como mulher do interior, falou do filho mais velho, de 19 anos, que está indo lutar no Iraque, das três filhas, com referência velada à gravidez de Bristol, e do caçula recém-nascido, portador de síndrome de Down. Falou do marido, Todd, que vive da pesca comercial e do trabalho como operador nos campos de petróleo, a quem conheceu ainda na escola. E desceu a lenha em Obama. Ironizou seu trabalho como ativista comunitário nos anos 80 e satirizou sua vasta produção autobiográfica diante de sua escassa produção legislativa (veja trechos). Palin roubou a cena. Foi ovacionada. De pé. No dia seguinte, as manchetes eram todas dela.

Mario Tama/AFP
ÁLBUM DE FAMÍLIA Palin, com o marido e quatro dos seus cinco filhos. Bristol, grávida de cinco meses, aparece com o caçula no colo

Tendo, em menos de uma semana, provocado perplexidade, espanto e entusiasmo, Sarah Palin é a mais recente novidade de uma campanha presidencial que não pára de produzir novidades. E, como toda novidade, Palin é uma incógnita. Ela desponta na cena política como estrela da direita republicana. É a favor das armas, contra o aborto e contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo, tróica de temas sempre invocada na política americana para definir quem fica à direita e quem fica à esquerda. Com isso, Palin uniu e empolgou a ala dos cristãos conservadores do partido, que sempre torceu o nariz para posições liberais adotadas por McCain no passado. A incógnita, portanto, não diz respeito ao ideário da candidata, mas ao "efeito Palin". A questão é: ela ajuda ou prejudica McCain? O republicano vinha usando todo o traquejo político adquirido em 25 anos como parlamentar em Washington para atrair, ou não espantar, o voto dos independentes, que não se alinham nem com republicanos nem com democratas e em geral rejeitam posições extremas. Palin, ao mesmo tempo em que dá gás à candidatura de McCain, também a radicaliza com uma curva à direita, o que pode assustar independentes.

Nas últimas dez pesquisas nacionais, realizadas entre 24 de agosto e 4 de setembro, McCain vence em apenas uma – e por 1 ponto porcentual. Em uma, dá empate. Em oito, é Obama na cabeça. Mas essas pesquisas não contemplam todo o "efeito Palin": pegaram mais a fase da perplexidade e do espanto, e menos a fase do entusiasmo. A escolha de Palin foi, sob todos os aspectos, uma cartada ousada dos republicanos. Ela é tudo o que McCain não é: uma mulher jovem e bonita, inequivocamente conservadora e capaz de energizar a militância mais direitista do partido. Mas sua experiência é um desalento. Palin foi duas vezes prefeita de uma cidade do interior do Alasca, com 7 000 habitantes, mesma população de Alagoinha do Piauí. Depois, ganhou a eleição para o governo do Alasca, cargo que ocupa há menos de dois anos e cuja importância política equivale, no cenário brasileiro, a algo como governar Roraima. Quem acha que inexperiência é um problema, e por isso não votava em Obama, que nunca foi nem prefeito de vilarejo, tinha a opção de votar em McCain. Com Palin fazendo o percurso do Alasca à Casa Branca, o problema da experiência volta à tona. E os democratas não deixam o eleitor esquecer que McCain tem 72 anos e histórico de câncer de pele.

Jjim Young/Reuters
VITAMINANDO O DISCURSO Obama e seu vice, Joe Biden, com as mulheres: empenho para recapturar a sua velha bandeira da "mudança"

Em poucos dias, no entanto, Sarah Palin já mostrou que é boa de briga e sua aparência de fragilidade é enganadora. Na convenção, referindo-se a si mesma como "hockey mom" (a mãe dedicada que leva o filho ao jogo de hóquei), fez questão de dizer: "A diferença entre uma hockey mom e um pit bull é o batom". Palin não tem nada da bonequinha de luxo que os próprios republicanos temiam que fosse e os democratas torciam para que fosse. É ambiciosa e abre espaço com os cotovelos. Terceira de quatro filhos, ela já foi jogadora de basquete, miss, locutora esportiva e, de repente, entrou para a política: vereadora, prefeita duas vezes e agora governadora. Quando ganhou a primeira eleição para a prefeitura de Wasilla, demitiu os aliados do antecessor e até cogitou censurar os livros da biblioteca local para adequá-los aos valores conservadores, mas dedicou-se ao crescimento econômico e fez uma administração honesta. Na sua sucessão, alinhou-se contra a candidatura da madrasta de Todd, seu marido. Em 2002, perdeu a eleição para o governo do Alasca, mas ganhou um cargo numa comissão de energia. Como aborto e casamento gay não estavam nem na pauta da política estadual, nunca mais tocou no assunto. Acabou construindo sua imagem como caçadora de corruptos. Deu certo. Em janeiro de 2007, tomou posse no governo do Alasca.

A convenção, que durou quatro dias e começou ofuscada pela ameaça de o furacão Gustav devastar Nova Orleans outra vez, acabou mostrando que os republicanos estão satisfeitos, até agora, com o impacto da chapa McCain-Palin. Mas estão irreconhecíveis, também. O impopularíssimo presidente George W. Bush não foi à convenção, dizendo-se ocupado com as ameaças do Gustav, mas fez uma aparição ao vivo num imenso telão. Falou durante oito minutos e sumiu. Palin, em seu aclamado discurso, não pronunciou o nome do presidente. McCain fez uma menção protocolar ao presidente e apresentou-se como candidato da "mudança", tentando seqüestrar o bordão eleitoral de Obama – que, na sexta-feira passada, junto com seu vice, Joe Biden, já reagiu para recapturar a bandeira. Na convenção republicana, houve momentos de esquizofrenia política, com McCain fazendo discurso de oposição, criticando veladamente o governo, como se a platéia à sua frente não fosse governista – e ela aplaudia. McCain disse que, eleito, fará "este governo começar a trabalhar para você de novo" e colocará o país "de volta na estrada da prosperidade e da paz". Até criticou a elite política em Washington, à qual ele mesmo pertence há 25 anos. O público aplaudiu. Platéias assim, cativas, aplaudem qualquer coisa. O desafio republicano é contagiar o país de costa a costa. Sarah Palin, quem sabe, pode ser um bom começo. No primeiro comício pós-convenção, em Cedarburg, no estado de Wisconsin, na sexta-feira, McCain e Palin reuniram 12.000 pessoas. Nunca antes McCain juntara tanta gente. É o efeito Palin.

 

MIRANDO EM OBAMA

A seguir, alguns trechos do discurso em que Sarah Palin, na convenção republicana, soltou o verbo contra Obama

"Esse homem (Obama) pode fazer um discurso inteiro sobre as guerras que os Estados Unidos estão lutando e nunca usar a palavra ‘vitória’, a menos que esteja falando de sua própria campanha."

"Quem ouve seus discursos (de Obama) pode até esquecer que esse homem já escreveu duas autobiografias mas jamais aprovou uma lei ou uma reforma relevante."

"Eles (Obama e Biden) têm dito que sempre ‘lutaram por você’, mas vamos ser objetivos. Há apenas um homem nesta eleição que realmente lutou por você, e em lugares onde vencer significava sobreviver e perder significava morrer, e esse homem é John McCain."(Lembrando que McCain, ao contrário dos outros dois, lutou no Vietnã, onde foi torturado e ficou preso durante mais de cinco anos)

"O prefeito de uma cidade pequena é mais ou menos como um ativista comunitário, com a diferença de que tem responsabilidades de fato." (Contrapondo sua experiência como prefeita do interior no Alasca ao trabalho de Obama em uma entidade comunitária em Chicago)

"A presidência dos Estados Unidos não é uma ‘descoberta pessoal’. O mundo tem ameaças e perigos, não é apenas uma comunidade, nem precisa só de um ativista." (Ironizando o trabalho comunitário de Obama, no qual o democrata buscava um sentido para sua existência)

 




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