Política
História e crise Panorama Econômico :: Miriam Leitão
O GLOBO
A crise bancária atual pode ser pior que a de 1929, mas o desemprego não deverá chegar aos níveis aterradores daquele tempo. É o que acha o economista e historiador econômico Marcelo de Paiva Abreu. O ex-presidente do Banco Central, Gustavo Loyola, que enfrentou nossa crise bancária, disse que o maior risco que os Estados Unidos correm é a demora em resolver o problema bancário.
Conversei com os dois no programa da Globonews, juntando História e tempo presente. Há semelhanças e diferenças decisivas entre o fantasma que nos apavora, o de 29, e os sustos atuais.
- Voltar a 29 é impossível, porque hoje temos marcos institucionais que não tínhamos, mas em alguns aspectos pode ser pior. Na crise bancária, por exemplo. Em 29, os bancos da Europa Ocidental estavam bem. Foram atingidos os da Áustria, da Alemanha e dos Estados Unidos. O sistema americano era todo pulverizado, pequenos bancos locais. Um banco dos plantadores de algodão do Alabama: os plantadores corriam, sacavam seu dinheiro e quebravam o banco. Entre 28 e 32 quebraram milhares - lembra Marcelo.
Não havia grandes bancos nacionais. Os daquela época, explica Marcelo, eram proibidos de ser multibancos e não puderam diversificar o risco.
- Uma das duas mudanças que fizeram a lenda Roosevelt (Franklin Delano Roosevelt, o presidente que venceu a Grande Depressão), foi a de criar o seguro de depósito bancário. Outra foi abandonar o padrão ouro que pautou o grande default - diz.
Ao acabar com a indexação entre o dólar e o ouro, o dólar foi desvalorizado em 70%. Como os países, empresas e pessoas deviam em dólar nominal, houve, na verdade, um grande calote.
O que fica claro é que na raiz de uma crise desta dimensão está uma crise bancária. Perguntei a Gustavo Loyola o que está dando errado na estratégia do governo Barack Obama de enfrentar a crise.
- O que está dando errado é a demora. Esse procrastinar de uma solução definitiva vai deixando o mercado nervoso, alimenta boatos, rumores, as expectativas pioram e a economia vai derretendo. O crédito parou. Uma ação rápida, mesmo que não seja perfeita, é a melhor - diz Loyola.
Ele acha que a estratégia de Obama de tentar vender os ativos podres dos bancos pode até dar certo, mas demora. Seria necessário ter uma perspectiva de recuperação econômica para que os ativos pudessem ser valorizados. Gustavo lembra que no Brasil havia bancos sólidos que compraram os ativos e passivos dos bancos com dificuldade.
- A gente vendia os ativos bons, os compradores garantiam os depositantes e o banco reabria no dia seguinte. Assim, cortava-se o pânico pela raiz.
Marcelo e Gustavo acham que haverá nos EUA e na Europa algum tipo de estatização dos bancos.
- Em 29 não houve apoio direto aos bancos como agora, eles simplesmente quebraram. Mas agora há um forte elemento de socialização dos prejuízos. Por isso, em algum momento, os Estados Unidos terão que rever seus princípios contra a nacionalização - diz Marcelo.
- Existe uma clivagem. O pudor de falar em nacionalização ou estatização é maior nos Estados Unidos que na Europa, até por razões históricas. Mas esta montanha de dinheiro que está sendo posta nos bancos terá que ter uma contrapartida para o contribuinte. Deve-se ter uma participação acionária estatal. Com todo esse dinheiro do contribuinte, é pouco crível que os bancos tenham a mesma liberdade de gestão - conta Gustavo.
E isso é o fim do liberalismo? Perguntei a Marcelo Abreu. Resposta:
- É o mesmo que prever o fim do capitalismo na crise de 29. Houve quem fizesse essa previsão.
A outra pergunta é: o que está sendo oferecido como alternativa? Uma versão recauchutada do socialismo?
Marcelo é especialista também em comércio internacional. Ele alerta para questões diferentes na questão do protecionismo: primeiro, diz que em 29 não havia OMC, e que isso nos dá agora alguma proteção institucional; segundo, que as tarifas americanas já eram muito altas e, portanto, a elevação não foi tanta assim; terceiro: o governo Roosevelt era muito unilateralista.
- Ele afundou uma reunião de cooperação internacional porque não compareceu e ficou no seu iate. Barack Obama não tem iate, e isso já é uma chance. Certamente, Obama será mais cosmopolita do que foi Roosevelt.
Marcelo teme o que ele chama de uma "maldade nova": o protecionismo financeiro. Ou seja, a prática de que os bancos, salvos com o dinheiro do contribuinte, só emprestem para empresas nacionais.
Em 1929, o Brasil foi atingido rapidamente.
- O mundo era menor, os Estados Unidos eram menores, mas a crise foi global. E atingiu primeiro países como o Brasil e a Argentina, porque o Fed subiu os juros e faltou crédito para nós - lembra Marcelo Abreu.
Gustavo acha que a recessão dura pelo menos mais um ano. Para Marcelo, dá para começar a ser otimista em um ano e meio, dois anos. A recessão vai ser demorada, mas Gustavo não acredita em colapso do sistema de pagamentos e Marcelo lembra que, hoje, existem o OMC, o FMI, os fundos garantidores, e mais chance de cooperação global.
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